quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O CASARÃO

Na  ladeira da Independência, existiam vários casarões, do Século XIX. Em um deles morou minha mãe antes de se casar.
Com 2 andares, sótão e socavão (porão), abrigou vários membros da família, em seus 14 quartos. Construído com material nobre tinha o chão de tabuado de duas cores, vitrais franceses, sala de refeições com pinturas nas paredes, onde Ceres oferecia  frutos e flores, sala de música onde Faunos com flautas e pequenas liras, aludiam ao tema. Instrumentos pesados como Piano, Violão-Celo, Harpa e outros, lá ficavam permanentemente.
Lustres de bronze com cristais e pequenas torneiras que regulavam o gás encanado para que ardessem em pequenas “bocas”, testemunhavam uma época anterior à chegada da luz elétrica.
Pequenas estátuas de mármore e bancos revestidos com minúsculas conchas espalhavam-se pelo jardim e revelavam um período, que como concluiu meu irmão advogado ao fazer a cadeia sucessória de um imóvel;  “Enquanto houve trabalho, houve dinheiro. Quando começaram a entrar os diplomados começou a dilapidação do patrimônio”. Certa noite, passei  por lá e o som de música e muita luz que vinham do andar térreo me atraíram.
Empurrando um portão de ferro batido entrei no terreiro que cercava a casa. Belo móvel de jacarandá entalhado, no hall, portava um sem número de chapéus e guarda chuvas. Do fim do corredor, da sala de música, vinha o som de diversos instrumentos. Na estreita passagem, 2  atarefadas mocinhas de touca, longos vestidos negros e aventais passaram “através” de mim(?!) apressadamente, com bandejas cheias de salgadinhos e refrescos.Espantado, entrei na sala iluminada pelo enorme lustre e diversos castiçais. Um jovem de bigodinho e uniforme militar cantava Gondoleiro do Amor, poema de Castro Alves musicado por  Manoel Fábregas, que fez muito sucesso na década de 1860.

“ Teus olhos são negros, negros como as noites sem luar,
São ardentes, são profundos, como o negrume do mar. 
Sobre o barco dos amores, da vida boiando à flor,
Doiram teus olhos a fronte, do gondoleiro do amor...

Uma jovem morena de olhos verdes o acompanha ao piano, sob o vigilante olhar de uma senhora de preto (viúva?) e   cabelos brancos enrolados em um “coque”. Devia ser sua mãe.
Um homem alto, magro, todo de preto recitou uma poesia de sua autoria chamada “O Último Cruzado”, e um outro recitou belo soneto intitulado “Voz de Mulher”, arrancando suspiros das moçoilas, sob o acompanhamento  do piano e de alguns músicos.
Os homens tinham bigodões, usavam suspensórios e camisa de gola alta, alguns com gravatas borboletas, e sapatos de verniz de duas cores. As mulheres apertavam-se em espartilhos e usavam longas saias, algumas com “anquinhas”.
A pianista começou a tocar Clair de Lune de Claude Debussy, e nenhum músico “arriscou-se” a acompanhá-la, arrancando aplausos ao final.
De repente uma moça com trajes ousados, de boina, vestido de peça única em leve tom verde, que acabava logo abaixo dos joelhos, cabelos curtos a La Garçom e com longos colares começou a dançar o Maxixe, no disco de porcelana que colocaram no gramofone, ritmo proibido pela polícia nos “entrudos” e bailes públicos. Seu acompanhante não ficava atrás na extravagância das roupas, última moda em Paris.
Era um sarau literomusical, do Século XIX, e não sei como, retornei no tempo e estava participando dele, e ninguém me via, pois eles estavam em outra dimensão!
Por volta das 22h00min todos se retiraram, pois já era muito tarde. Antes que as criadas apagassem a luz, também saí e vi inúmeros Coches e Charretes se afastando. O Sarau terminara.

No outro dia retornei ao local e tive que usar toda força para abrir o portão que enferrujado, rangeu nas dobradiças ao me permitir passar. Em vez da grama do jardim aparada, mato alto. Não haviam mais as estátuas de mármore. Teriam sido roubadas? 
Aproveitando a luz natural, entrei na casa. Grossa camada de poeira cobria tudo. Todos os móveis tinham sumido. O tabuado de madeira de duas cores rangia sob meus pés.
Na sala de música as paredes descascadas, mal deixavam ver as pinturas. E um grande lençol cobria algo próximo a janela de vidros coloridos. Era o piano!
  

 Salvador, 26 de Setembro de 2011.
Sávio  Drummond.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O JARDIM DOS SONHOS

Em uma pequena cidade do interior havia um jardim.
Era um jardim igual a centenas de jardins de centenas de cidadezinhas do interior.
No centro um coreto, com quadras arborizadas, e tinha até uma fonte. A vida social da cidade “girava” em torno dele. Muitas paqueras e namoros, lá começaram.
Não tinha nada de especial, a não ser que era mágico.
Se você sentasse em um dos seus bancos em noite de lua cheia e fechasse os olhos, passava a “viver um sonho”, como a letra de certa canção: “O sonho é o desejo n’alma, n’alma a adormecer. No sonho a vida é calma, é só desejar para ter”...
Assim o jovem Ernani, pilotando um nave emissora de neutrinos, atingiu a gigante azulada Sirius há 8,57 anos luz, e fez amizade com os habitantes de um planeta que orbita sua irmã menor e 10.000 vezes menos Bbrilhante, Sirius B. O professor Rodolfo, retrocedeu a 1900, e em Paris,  conversou com o Dr. Emílio Roux, (inventor do soro antidiftérico) diretor do Instituto Pasteur , sobre sua recente descoberta.
Francisco, estudante de medicina, não precisou esconder-se atrás do personagem Clotildes , nem se disfarçar de mulher, para escapar dos militares, apenas por desejar um mundo mais justo para todos.
Tibúrcio em sua oficina de inventos,  criou uma nave espacial que gera um campo eletromagnético ao redor e usando os campos gravitacionais dos planetas como “trampolim” (ao inverter este campo e tangenciar o planeta) saindo do Sistema Solar, atingiu a velocidade da luz. O jovem estudante de medicina Zilton Andrade e sua noiva Sônia, retrocederam a 1628 e convenceram ao médico Inglês William Harvey, que as artérias não transportam ar, e que por isso receberam este nome, e sim sangue oxigenado.
Um jovem Ergonomista tentou convencer as mulheres dos malefícios do salto alto, que anula a ação de bombeamento” (verdadeiro 2º coração) dos músculos das panturrilhas, causando assim, varizes após os 50 anos, e foi vaiado estrepitosamente pela “mulherada”. A jovem médica Lúcia ensinava os benefícios da dieta rica em fibras, acabando com a prisão de ventre, doença diverticular e câncer do colo. A Dra. Amélia
Drummond, mais conhecida como Dra. Sorriso, conseguiu diminuir acentuadamente o número de cáries e perda de dentes, graças a sua campanha vitoriosa de escovação correta e uso do raspador de língua de sua colega Dra. Kolbe. Até seu cunhado Almiro, apareceu com um “pimpão” de meter inveja a Elvis Presley, após uma “passadinha” pelo jardim.
Seu primo Hildegardo, apelidado de Deguinha Comando Vermelho, ou Deguinha C.V. recuperou-se completamente do Derrame e fui com ele a Pituassú, ver o Bahia ser campeão Brasileiro pela 3º vez.
A Pediatra Lícia erradicou do país as doenças oriundas da desnutrição e diarréia das crianças miseráveis, e a mortalidade infantil atingiu níveis suecos.
O Jardim dos Sonhos, só não deu jeito mesmo foi no mineiro Otoni, conhecido como Otoni “Urtigão”, que desejou não mais ser do contra. Saiu do Jardim mais “Urtigão” que entrou.“...tem fé no teu sonho que um dia, um lindo dia há de chegar. Que importa o mal que te atormenta, se o sonho lhe contenta e pode se realizar.”                                        


                                                                                       Salvador, 16 de Novembro de 2011
Sávio Drummond.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

CARDOSÃO

Conheci - o no curso pré-vestibular. Natural de Alagoinhas, falou-me de seu pai, vaqueiro analfabeto que, todavia tinha a inteligência dos grandes mestres. O velho Cardoso chegou à mesma conclusão que Sheakspear, sem nunca o ter lido. Impressionado com o que me contou , escrevi:
                                                                                                                                                                                                                                                                                     Sentado debaixo de um pé de pau,
Sem ao menos saber ler, concluiu:
- “Ou é ou deixa de ser”.

Certa feita, Cardosão ligou-me 01:00. Falando baixinho ao telefone, disse-me:
- Savinho estou te ligando do meu trabalho, pra desabafar.
- O que houve Cardoso?
- A empilhadeira. Comecei a dirigi-la e acabei derrubando varias prateleiras e passei por cima da p*rr* toda.
Que merda eu fui fazer!
- E por que você está falando baixinho?
- Pra ninguém ouvir.
- Mas você não esta sozinho no setor? 
- Estou. É a consciência culpada... 
No outro dia botaram Cardoso “na rua”!

Cardosão morava em antiga pensão no Largo da Palma. Quase toda de madeira, rangia sob nossos pés, o que lhe valeu o apelido de Balança, graças ao programa da rádio Nacional, Balança Mas Não Cai.
Cardoso falava de um professor seu, no curso pré-vestibular na Ladeira de São Bento. Enquanto “equilibrava” (distribuía o mesmo número de átomos, antes e após a reação) uma reação química, José Nelson, professor de Química e dono do curso, ao se virar para a turma, mostrou que tinha se esquecido de fechar a braguilha. Quando se vira de novo para o quadro e fica de costas para a classe, um baixinho, apelidado de Batatinha, exclama em voz alta:  - Está com a braguilha aberta.
José Nelson escrevendo no quadro negro retruca:
- Obrigado... Fosse um sapateiro e diria que meu cadarço está desamarrado.

Cardoso  tinha um colega, que morava na pensão do largo da Palma, apelidado por Bodinho, pois não era muito amigo de banhos. Bodinho vestia-se de paletó e gravata pretos, atravessava o Largo da Palma e ia participar da sentinela na Igreja de mesmo nome. Lá ficava atento, ouvindo as conversas, para saber o nome da viúva e do falecido. Quando aprendia, dirigia-se a chorosa consorte (algumas escondiam a satisfação por terem se livrado de um “traste”, atrás de saudosas lágrimas), e oferecia-lhe seus “sentidos” pêsames, e como um autentico “boca-livre” devorava o que podia, pois não sabia quando comeria tão bem, e completamente bêbado pelos licores servidos, retornava a pensão de manhãzinha.
Falou-me do costume no interior de servir-se salgadinhos, doces, cafezinho e até licores no velório. Mulheres contratadas para “chorarem o defunto”, debulham-se em lágrimas a noite inteira.  São as carpideiras, e vestem-se de preto e choram as lágrimas que a viúva não tem. Cantadores são contratados, e uma música cantada em um velório ficou famosa: “Uma incelência, entrou no paraíso. Adeus irmão, adeus. Até o dia do juízo”.
Outro cantador, zonzo com os licores, de olho na viúva, que paquerava há muito tempo, não aguentou, e na beira do caixão arriscou: 
-“ Minha cumade seu marido morreu. A sinhora agora intá sozinha... Se argum dia a sinhora se arresorver minha cumade... A primeira preferênça é minha”...  

Certa noite estudava com Cardoso no pensionato da Palma, quando apitos ritmados chamaram nossa atenção. Era um Guarda Noturno. Com um cassetete como arma, apitava comunicando que estava tudo bem: -Priii, Priii... Priii, Priii... Ao longe outro respondia: - Priii, Priii... Priii, Priii... Aos poucos, apitos teciam as noites da Cidade da Bahia.
Chegamos à balaustrada de ferro, para ver o Guarda-Noturno pisando as pedras de “cabeças de negro”, que brilhavam devido à chuva que caíra à pouco, iluminadas pelos parcos postes com lâmpadas de luz amarelada, como que saída de um quadro de Rembrandt (Holanda, 1475 - 1564).
Forçava as portas, para ver se estavam trancadas, e tomava um cafezinho, que algum notívago lhe oferecia. Caso outro apitasse Pri, Pri, Pri, saía correndo e orientando-se pelo som ia ajudar o colega que perseguia algum marginal.

Certa noite Cardoso estava estudando de madrugada, na sala defronte do seu quarto, quando uma moça de camisola passou para o quarto de um rapaz. Ao se virar “deu de cara” com Cardoso e votou correndo para seu quarto. De manhã, durante o café da manhã, queixou-se à dona da pensão, de que ao bater na porta do colega (era uma reunião de Evangélicos) para pedir um remédio pra dor de cabeça, um homem “com os olhos de boi”, viu e antes que ele falasse alguma coisa pra ela, achou melhor esclarecer tudo. 
Cardosão ao ser chamado de “homem com olhos de boi”, “rodou a baiana”. 
- Eu não tenho nada com sua vida, e não era por lhe ter visto, que ia contar a ninguém. Não me chame de “homem com olhos de boi” não, por que senão eu lhe chamo de “ a moça que passou pro quarto do rapaz de camisola de madrugada”... 

Todo sábado íamos com outros rapazes da pensão, jogar bola nas praias de Pituba ou Armação. Até hoje não sei quem era mais “perna de pau”. 
Certa noite, conversávamos  de madrugada, quando outro rapaz do interior começou a falar das suas aventuras sexuais. De como era comum os adolescentes sertanejos terem relações sexuais com animais. Talvez pela altura, as jeguinhas são as mais procuradas. Sem querer deixou escapar: 
- Até hoje tenho a cicatriz de duas costelas quebradas por um coice...
             Salvador, 07 de Novembro de 2011.
 Sávio Drummond.        

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

MEU AMIGO

Conheci uma pessoa que se tornou meu melhor amigo.
Assim como costumava dizer: “Homem que é homem não deixa rastro, deixa saudade”, deixou gratas recordações, e um imenso vazio quando se foi.
Esse homem trabalhava de “sol a sol”, para que nada faltasse à família.
Recordo-me dele usando apenas dois paletós. Um cinza escuro e outro azul marinho.
Nunca teve carro e seus filhos logo o tiveram, assim que pode comprar.
Seus filhos também estudaram em colégios particulares, pois como dizia, a cultura era a maior herança que poderia deixar. Só permitiu que tivessem emprego regular, quando saíram da Faculdade. Um Advogado e outro Médico.
Baixinho, era do tamanho da esposa, e quando saiam “de braços dados”, ficava menor que ela devido ao salto alto que ela usava.
Atlético, foi apelidado pelos irmãos de Tarzan do Galpão, pois em um galpão no fundo da casa, construiu barras paralelas, assimétricas, argolas, enfim, uma verdadeira academia de ginástica, batendo vários “records” amadores.
Remador do Clube de Regatas São Salvador, competia na Enseada dos Tainheiros.
Costumava todo fim de tarde trocar de roupa na casa de uma Senhora que morava na Cidade Baixa, em frente ao mar, nadar até a “bóia “mais próxima, ande subia e via a “cidade acender”. Depois voltava para a casinha da senhora, orientando-se por uma luz azul, que instalou na porta, tomava “banho doce” e ia pra casa.
Durante o CPOR (Serviço militar para universitários), praticou inúmeros esportes, ganhando várias medalhas para a faculdade de Odontologia, até em uma final de Box Amador ser nocauteado por um colega, também estudante de Odontologia.
Autodidata, estudou Inglês sozinho e trabalhou em uma Loja de Ferragens, para custear os estudos.
Um marinheiro americano, cuja embarcação fora torpedeada, nas “costas” da cidade na 2º Guerra Mundial, ao ficar hospitalizado no Hospital Santa Luzia em Nazaré, onde trabalhava como dentista, adorava conversar com ele, pois no Hospital onde estava internado ninguém falava Inglês.
Com o término da Guerra, o marinheiro ficou aguardando que o Consulado mandasse o avião para resgatá-lo. Enquanto isso costumava jantar na casa do amigo Dentista, e levava vinhos finos e presentes para ele e a esposa. Aperfeiçoou o Inglês a ponto de falar fluentemente.
Desenhista, sem nunca ter tomado curso, fazia as provas de Anatomia da Cabeça e Pescoço da Faculdade de Odontologia, aonde estudava, desenhando.
Imagino a dificuldade dos professores em corrigir as provas descritivas do resto da turma.Vi  vários desenhos dos dentes e suas estruturas que fez em cartolina, para dar aula na Faculdade de Odontologia da UFBa, onde veio a ensinar.
Sofreu  grande injustiça profissional. Um professor de odontologia, de quem era assistente, teve sua Tese  para Professor Catedrático, feita por ele, inclusive os desenhos que certamente auxiliaram muito os estudantes. Aprovado com louvor, o Professor nomeou assistente um genro que acabara de se formar.
Desgostou-se e se demitiu. Foi a primeira vez que o vi chorar.
Seu filho mais novo teve grave doença renal e seu irmão Médico o tratou, mas todo o acompanhamento de enfermagem, desde a dieta até o  controle da densidade , volume urinário e perda de Albumina na urina era ele que fazia. Para ocupá-lo inúmeras miniaturas foram compradas, armadas e pintadas nos três meses que passou de cama.
Em seu consultório, tinha anexa pequena oficina. Lá confeccionava as próteses dentárias, pivôs e jaquetas que produzia com maestria.Tornou-se hipnólogo, pois alguns pacientes tinham “fobia” pela cadeira e principalmente pelo motor, desmaiando até.
Graças a Hipnose chegou a extrair dente, em uma paciente alérgica ao anestésico.
Muito culto, chegou a ler as“Obras Completas de Schopenhauer”. Tentei mas não consegui.
Era um excelente psicólogo. Observava as curiosidades e inclinações dos filhos e “misteriosamente” apareciam livros ou instrumentos que as satisfizessem.
Um deles mostrou interesse por astronomia. Certa manhã o livro Cosmos de Carl Sagan e um telescópio apareceram.
A Origem das Espécies do naturalista Inglês Charles Darwin, respondeu a curiosidade de um deles a respeito da variedade de seres vivos.
Após explicar-lhe as Teorias Criacionista e Evolucionista, deu-lhe de presente o livro, que muito o influenciou na escolha da carreira no futuro.
Ele também viveu fenômenos inexplicáveis, tidos como para-normais.
Certa feita quando toda a família foi a Cidade de Feira de Santana pedir “a mão” da que seria sua 1º nora, na volta, na Estação Rodoviária, ao botar a mão no bolso para tirar a carteira e comprar as passagens,
percebeu que a tinha perdido ou que teria sido furtada. Uma voz de um interlocutor invisível sussurrou em seu ouvido:- Vá ao banheiro.
Assim fez e a primeira coisa que encontrou foi uma carteira cheia de dinheiro. Retirou a quantia que precisava e a entregou no Achados e Perdidos, aonde um Senhor aflito agradeceu-lhe pelo achado, principalmente devido aos documentos e gratificou-o com soma maior do que a que havia subtraído. Fez o Supermercado a semana inteira. Para sua sogra fez uma coleção da Bíblia comentada por Padres, de sete volumes, encadernada em couro. Uma preciosidade.
Para satisfazer a curiosidade dos filhos as Coleções Tecnirama, Grandes Pintores, Universo , Nosso Século, Medicina e Saúde , Arte nos Séculos e outras encheram as prateleiras. Até uma pequena enciclopédia (bem menor que a Britânica) ele comprou.Costumava bater “altos papos” com ele, e em um momento emprestou-me uma vultosa soma  com a qual terminei a casa aonde moro há mais de vinte anos.
Quando quis pagar-lhe o empréstimo não aceitou.
Como diz a letra de certa canção: “Naquela mesa está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim”.
Era meu pai.

Sávio Drummond
Salvador, 04 de Julho de 2011.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

PROVAS DE MEDICINA

Gratas recordações  tenho do tempo da Faculdade. Resolvi  escrevê-las antes que o tempo jogue-as “na vala comum do esquecimento”. 
Uma colega saiu chorando da sala em que realizou uma prova oral de Histologia. Perguntei o porquê das lágrimas, e ela me respondeu que Professor Túlio Miráglia tinha dito que de Histologia ela não sabia “porra nenhuma”. Aconteceu que o Professor de Histologia (estudo dos tecidos), Túlio, que não dava palavrão, muito chateado com acontecimentos “extra - escola” colocou no microscópio uma Micróglia, célula do Cérebro, e perguntou:
- Minha filha que célula é esta? 
Ela muito nervosa atrapalhou-se e respondeu:
- É uma Miráglia.
- Não minha filha, Miráglia sou eu. Seu professor Túlio Miráglia. Isto é uma Micróglia. De Histologia você não sabe “porra nenhuma”!
Outro em uma prova oral de Anatomia:
- Meu amor, qual é o órgão que aumenta até 17 vezes o seu tamanho? 
Ela depois de muito pensar, concluiu:
- É o Pênis.
- Não meu amor, é o Útero Grávido. Você vai ter uma decepção...
Um colega que andava armado, pois estávamos em plena época da Ditadura Militar e corria o boato de que poderia ser preso a qualquer momento, ao realizar uma prova de segunda época, pois perderia o ano se tirasse nota baixa, respondeu quando questionado:
- Meu jovem, quantos Vagos (Sistema Nervoso Autônomo em número de dois), nós temos?
O rapaz não sabia, e resolveu arriscar: 
-Quatro, e colocou o revólver sobre a mesa.
O Professor de olhos arregalados:
- Brilhante! Dois meus e dois seus.
Um Pneumologista, mostrando uma radiografia, pergunta a um aluno:
- Qual o diagnóstico?
- Pela transparência aumentada dos campos pulmonares; “Sinais sugestivos de Enfisema”.
- Correto. E é homem ou mulher?
Pela ausência das sombras mamárias e presença de calcificação das cartilagens costais, que se inicia pelas bordas; “Homem”.
- Novo ou velho? 
- Pela ausência de “desenrolamento” da Crossa da Aorta, e calcificação das cartilagens a que já me referi, menos de 60 e mais de 30 anos.
E achando que o professor estava “querendo muito”:
- E loiro!
- Não é que você acertou. É um paciente meu, holandês, enfisematoso de 54 anos. Incrível! Nota 10!
- Em uma prova de cardiologia:
- Meu filho, um doente com Doença de Chagas, geralmente morre de que?
- De parada cardiorrespiratória.
- Não meu caro. Geralmente de Arritmia. Com e de Parada Cardiorrespiratória morremos todos nós.
Um professor conhecido por seu bom humor. 
- Meu jovem qual a ação da Metoclopramida (Substância contra náuseas)?
- Ação Celebrau!
- Hein? 
- Ação Celebrau. No Célebru!
- Há, certo... Pensei que fosse no Estômbagu!
Muitos alunos quando estão passados, aproveitam para “curtir” com o professor.
- O que você daria para parar a diarréia de uma criança “de peito”?
- Chá de rolha!
- Não seria melhor remédio a base de Caulim, Pectina, ou mesmo água de arroz?
- Também servem, mas chá de rolha é “tiro e queda”!
Em uma prova de Proctologia:
- Caro colega, diga-me o que são Hemorróidas?
- Varizes do fiofó.
-Você não tem outra palavra em vez dessa?-Tenho. Mas é melhor ficarmos com... fiofó.
Um urologista perguntou a um dos mais “perturbados” alunos:
- O que é Criptorquidia?
- É quando os testículos não descem. Quando apenas um permanece na cavidade abdominal chama-se Monocriptorquidia ou Monoôvo.
Este mesmo urologista insistiu:
- E varicocele?
- Varizes nos ovos!
Um gastroenterologista famoso, com sobrenome de instrumento musical, quis saber qual o melhor remédio pra Prisão de Ventre.
- Fazer prova com o Senhor. Tô todo borrado!
Bons tempos aqueles.

Sávio Drummond                                                                                                                                                                           Salvador, 29 de Julho de 2011

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O MOTELEIRO

Outro dia encontrei o Ferreira, melhor Ferreirinha como gosta de ser chamado. Meu colega da faculdade. Havia mais de 20 anos que não o via. Entre chopes e batatas fritas, colocou-me “a par “das suas aventuras.“aventuras”.
Falou-me que se separara, havia alguns anos, e depois de um período de depressão, pois não é fácil acabar com um casamento de 15 anos, resolveu “sacudir a poeira” e aproveitar a “liberdade”.
Começou dizendo que casamento é o único lugar onde você ganha a liberdade por mau comportamento, e à medida que os “vapores do álcool” subiam, Ferreirinha tornava-se mais alegre e falador.
Ao contrário “do bebum chato” que diz; “Você não é meu amigo”, Ferreirinha tornava-se mais alegre e comunicativo. Disse-me que conhecia todos os motéis da cidade, e que estava “solto na buraqueira”.
Certo dia, em certo motel, enquanto estava na banheira de hidromassagem, sentiu extra-sístoles em salva.”Vira e mexe” e novamente brbrbrrrrrrrrrrrr....Das extra-sístoles para o flater e do flater para fibrilação, que significa parada cardíaca, pois o coração não consegue impulsionar o sangue, é “um pulo”, você sabe.
Aí eu pensei: Já que eu vou morrer, nada melhor do que morrer nos braços dessa bela morena que me acompanha no banho. Vira e mexe, literalmente, e o brbrbrrrrrrrrrrr.... comecei a tomar meu pulso e notei que quando o brbrbrrrrrrrrr... ocorria, meu coração continuava dentro do ritmo. O que estava acontecendo?
Era o jato de água que a depender da posição batia no meu peito, exatamente na ponta do coração, que alívio! De outra vez... Garçom, mais dois chopes! Entre o 1º e o 2º tempo, depois de tomar banho, desci enrolado na tolha, para pegar a escova que estava no carro, , no térreo. Quando eu voltava com a escova, percebi que o vento batera a porta.
Gritei pela “criatura” até não poder mais.
Vá ver que aquela “quenga”, está com o rádio ligado a toda a altura, pensava, quando me ocorreu a solução. Só se eu fosse até a portaria, e lá pedisse que “interfonassem” para o quarto e solicitasse a “sujeita” que viesse abrir a porta. Mais como vencer os mais de 100 m que me separavam do “telefone salvador”?
Só havia um jeito, correr até lá. E assim o fiz.
Imagine a cena, eu com este físico atlético, enrolado em uma toalha, no maior “pique”, debaixo de um sol escaldante, com as pedras do calçamento a fritar-me as solas dos pés.
A recepcionista da portaria tomou o maior susto quando a chamei e pedi que fizesse a ligação.  Graças a Deus nenhuma porta de garagem se abriu, nem casal algum viu a minha correria.
Na ida, por que na volta , outro moteleiro que chegava, acompanhou-me  e entre risos, do carro exclamou:
                                                                                                                                                                                                                   - Fazendo seu Cooperzinho, hein?

De outra feita foi quando o carro, “não deu sinal de vida”, na hora de ir embora.Tive que ligar para meu mecânico, que teve que fazer o conserto na garagem do motel. Mas nada se compara ao “maior mico que paguei”, quando passei mal ao tomar um comprimido para “disfunção erétil”. Tive que chamar a ambulância do meu plano de saúde, que atende em domicílio. O motel inteiro “parou” para me ver entrar na ambulância, com minha assustada acompanhante, e os para-médicos botarem oxigênio no meu nariz. 
Antes de fecharem a porta, um engraçadinho gritou: 

- Tá vendo coroa, “ta” pensando “que beiço de jegue é arroz doce”? Não aguentou com a gata...                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 

                                                                                                             
 Salvador, 12 de Setembro de 2011.
Sávio Drummond.

O SORRISO

Quanto tempo dura um sorriso? Qual o poder de um sorriso? 
Segundo especialistas as pessoas que sorriem, vivem mais do que as sérias. 
Conforme a sabedoria chinesa, “o riso anda fácil na boca dos tolos e dos sábios”. 
Realmente, um professor meu, homem de grande cultura, dizia que se deve sorrir sempre, mesmo à caminho do cadafalso. 
Para manter a fisionomia carrancuda, aciona-se quase o dobro dos músculos faciais responsáveis pela mímica, do que quando sorrimos. Ao fazê-lo relaxamos a outra metade. Quem passa o dia de “cara fechada”, à noite sente dores no rosto.
Outro professor, que apesar de ser muito culto, que eu saiba, nunca sorriu. Morreu de Infarto antes dos 50 anos. Um “bonachão” amigo de meu pai morreu aos 105, com um sorriso nos lábios.
Um paciente meu, riu por quase dois dias de uma piada que contaram. Acabou internado. Era um esquizofrênico, cujo primeiro sinal da doença mostrou-se através do riso. 
Como disse Buda, não aperte muito a corda do alaúde senão quebra, nem a deixe muito folgada que não emitirá som algum. O equilíbrio está no meio. 
Ou seja, o “caminho do meio”, não é a carranca ou a gargalhada sem motivo, é o sorriso.
Uma dentista conhecida minha, dizia que quando somos apresentados a alguém, antes de apertar-lhe a mão “abrimos” um sorriso. Um sorriso, desarma, conquista. 
Certa feita um senhor invadiu a sala em que atendia, procurando saber se a esposa dele, que sofrera um acidente, tinha dado entrada no posto. Ao movimentar-se, vi por baixo da camisa o cabo de uma peixeira. Era um caminhoneiro que para cumprir prazo de entrega estava há dois dias dirigindo, sem dormir, as custar do que se chamava “arrebite”(anfetaminas).
Quando chegou, os vizinhos contaram do acidente da esposa, e ele dirigiu-se ao Posto Médico mais perto.                                                                                                                                          Procurando aparentar calma, sorri-lhe, e li o nome de todos os doentes atendidos até aquele momento. Sua esposa não dera entrada no Posto. Ao saber a notícia, sentou-se diante de mim, e “desabou” em um choro imenso e confessou que estava disposto a matar o médico se a esposa dele tivesse morrido. Nisso um amigo dele entra na sala e diz que a mulher dele estava bem, e já tinha tido alta em Hospital próximo. Na saída após me agradecer, tirou enorme faca do cinto do atormentado caminhoneiro. Tenho certeza que o poder do Sorriso me salvou.  
Alguns psicanalistas defendem a Terapia do Riso. Começam a rir motivando o paciente que deprimido começa esboçando um sorriso e em pouco estão os dois “as gargalhadas”. Se alguém chegar nesse momento, ficará sem saber quem é o paciente e quem é o psiquiatra. 
Meu pai contava que no tempo em que o homem (Cavalheiro), em uma festa, tirava a moça (Dama) para dançar, dizia:  - A Senhorita me da o prazer desta contradança? 
Nunca entendi o porquê de contradança. Afinal ele é a favor ou não da dança?
Segundo esse raciocínio, os contra-regras seriam os Ginecologistas que fazem implantes de anovulatórios, que impedem as mulheres de ovular e consequentemente de terem regras?
Como dizia um professor meu, que abria enormes parênteses, e falava de assuntos que nada tinham com a aula de Doenças Infecto-Contagiosas, que lecionava: - O que isso tem que ver com Amebíase? Havia falado por 10 minutos sobre a Cidade do Salvador antiga, em uma aula de Amebíase. Então, qual o professor, voltemos ao Sorriso. 
Nesta bendita festa, um amigo do “velho”, muito alto e magro, começou a rir de uma piada que tinha  ele tinha contado, enquanto passeava” o olhar pela sala.  
Seu olhar encontrou o de uma moça “feiosa” que estava tomando “chá de cadeira”, antes que o sorriso da piada se “apagasse”. A coitada, louca para dançar, ao vê-lo sorrindo para ela, apontou para si, como se dissesse baixinho eu? De um pulo, inverteu os papéis e interceptou o rapaz que caminhava em direção ao bar, coincidentemente atrás dela, e afundando a cabeça em seu peito, mesmo na condição de Dama, começou a bailar e dirigi-lo por toda a sala. O rapaz tentava ver quem era “ a doida” que o agarrara e só via o “cocuruto” da cabeça da moça. Quando acabou a dança, desistiu de ir ao bar e voltou girando o indicador apontado para a própria cabeça, como a dizer:  É louca! 
Por isso, como diz o ditado; “Se a vida lhe der um limão , não se queixe do azedume, faça uma limonada”.                                                                                                                                                         Sorria, sorria sempre. Não vai resolver seus problemas, mas certamente vai lhe dar condições de enfrentá-los. 


Sávio Drummond
Agosto de 2011

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

AQUELES OLHOS VERDES...

     Foi a pessoa mais generosa que conheci.
De sólida formação católica ajudou inúmeras pessoas, sem esperar nada em troca.
Até hoje muitos indivíduos, que foram beneficiados por ela, me falam a seu respeito de forma agradecida e terna. 
Costumava colocar nos cachorrinhos que teve o nome Grijo (Cinzento), que era o cachorro de Dom Bosco, devota que era da Família Salesiana.
Neta de portugueses tinha um sobrenome originário dos Judeus Portugueses que emigraram para o país, no século VII, fugindo da Inquisição. Aqui adotaram sobrenome de arvores (Carvalho, Oliveira, Parreira) e ofícios (Ferreira, Poeta).


Tinha uma nobreza no falar, no andar e nos gestos que me fizeram apelidá-la de Lady .
Professora primária de formação adorava ler.
Chocou-se com os palavrões de No País do Carnaval, de Jorge Amado. Na primeira visita que fez a seu primo, o Professor de Direito, Escritor e Poeta Lafaiete Spínola, mostrou-lhe o livro. Informada por ele de que era o personagem, homem do povo, que estava falando e não o autor entendeu perfeitamente e acabou lendo todos os livros do escritor grapiúna.


Costumava ter premonições. Quando de sua primeira gravidez, bordou em azul (cor utilizada pelos meninos) o nome do primogênito, em uma camisa chamada de Pagão, pois a criança a usava até o batismo.
Alguns anos após, novamente em azul o nome do 2º filho, e posteriormente em rosa o nome de uma menina, abortada espontaneamente.
Bordava maravilhosamente e fazia em Crochê um enxoval azul e outro rosa para entregar nas maternidades públicas, à primeira criança que nascesse no dia do aniversário do filho mais velho. No dia do nascimento do 2º filho dava em dinheiro o equivalente.


Tocava piano maravilhosamente. Conheci muitos pianistas, exceção seja feita aos profissionais, nunca ninguém tocou como ela.
Invariavelmente às seis da tarde, sentava-se ao piano e justamente com um busto de Jesus de olhos suplicantes e coração transpassado por uma coroa de espinhos e uma pequena lâmpada vermelha sempre acesa, fixado acima do piano, compunham um quadro de Rembrandt. 
O Redentor e a lâmpadazinha pareciam o Santíssimo. 


O piano me lembrava um altar, e debruçada sobre ele, a sacerdotisa deixava aflorar sua alma, em comunhão com o invisível. 
Começava sempre com A Ave Maria de Schubert e enveredava pelos clássicos e populares com uma sensibilidade de um poeta. O som ganhava forma, e as notas pesadas e fortes saltavam do instrumento para caírem como sólidos. Outras leves e ligeiras riscavam o espaço ricocheteando nas paredes ou planando coloridas como bolhas de sabão. Lá fora a cidade se espremia na hora do “rush”. Em sua sala a vida parava nesses momentos. Seu pequeno acompanhante canino uivava languidamente, parecendo protestar, quando interrompia a música. 


Quando criança, desenvolvi “Terror Noturno” e passava para sua cama todas as noites, e pacientemente acolhia meus medos. Muito vi e pouco pude falar para agradecer-lhe o afeto incondicional que tinha por mim e meu irmão.
De Lady Mariá, minha mãe,  ficaram apenas um retrato, aonde dois belos e grandes olhos verdes me fitam, e uma saudade enorme. 
Salvador, Junho de 2011
Sávio Drummond

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

INOCÊNCIA

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      Marianinha era inocente, como só as crianças hão de ser. Sim, pois basta arredondar-se- lhes as formas ou apontar-se lhes o buço, perdem-na como à noite as estrelas, aos primeiros sinais da manhã.
Pouco mais de dez anos e os hormônios a imprimir-lhe mudanças no corpo infantil, sem preparar-lha a cabeça. 
Em casa começaram as proibições: 
- Vai vestir a blusa menina. Onde já se viu uma moça andando pelada pela casa?
- Marianinha que modos são esses? Você já é uma mocinha!
Menina, moça, mocinha... Afinal se nem os adultos se decidiam sobre o que ela era.
E por que tanta preocupação, se até pouco tempo ninguém ligava?
Com os amiguinhos da mesma idade, volta e meia tinha que responder perguntas e mostrar as transformações que seu corpo sofria. Encarava com naturalidade a curiosidade dos coleguinhas, pois, quem mais que ela, a surpreender-se com essas mudanças?
Um de seus colegas ao chegar das férias, espanta-se com tão grande diferença, e exige seus direitos de amigo predileto:
- Você vai ter que me mostrar. 
- Mostrar o quê? 
- Os peitinhos. Você mostrou a turma toda, menos eu. 
- Mostrei, mas agora só mostro as meninas. 
- Por que só as meninas?
- Por que os meninos são abusados.
- Mas você mostrou ao Cacau, ao Binho e ao Bujão. Só eu seu melhor amigo, não vi.
E foram tanto os argumentos que Marianinha resolveu satisfazer o desejo do amiguinho injustiçado.
Tá certo Tato, eu te mostro. Mas não vale fazer fonfom!



 Salvador, 20 de Agosto de  1994.
Sávio Drummond.

domingo, 16 de outubro de 2011

CANÇÕES INFANTIS


A maioria das canções infantis são muito bonitas, mais algumas, infelizmente as mais famosas, tem letras terríveis. 
Aquela que diz:
Se esta rua fosse minha, 
eu mandava ladrilhar
 com pedrinhas de brilhantes, 
para o meu amor passar

A beleza do romantismo é inegável, mais já pensou quanto custaria esta rua? Pavimentada com brilhantes? Depois o garoto cresce, se transforma em um perdulário, gasta o dinheiro todo e vira um morador de rua, “cai” no álcool e no crack e ninguém sabe por que. A causa está na infância, Freud que o diga. 

 O cravo brigou com a rosa
 debaixo de uma sacada.
 O cravo saiu ferido,
a rosa despedaçada. 

É a descrição de uma barbárie de causar inveja ao Jack Estripador. Membros arrancados em uma canção de criança...   
Atirei o pau no gato-tô,
Mas o gato-tô, não morreu-reu-reu. 
Dona Chica-cá admirou-se-se,
 dberro, do berro que o gato deu... 
É ou não é um estímulo a violência? A criança quis matar o gato a pauladas, e esta tal de D. Chica ainda ficou admirada do grito de dor que o bichano deu.

          Cai- cai balão, cai- cai balão, cai aqui na minha mão... 
                                                                                      
 É um estimulo aos baloeiros, causadores das maiores queimadas nas matas, e incêndios nas casas e terror das fabricas e da indústria petroquímica.
Samba Lê-lê está doente, 
Está com a cabeça quebrada, 
Samba Lê-lê precisava, 
De umas dezoito lambadas. 
Nem Fernandinho Beira-Mar se lembraria de dar 18 chicotadas (lambadas) em um indivíduo com a cabeça quebrada. 
      A canoa virou, por deixá-la virar, 
Foi por causa de Maria que não soube remar.
Se eu fosse um peixinho e soubesse nadar,
Eu tirava a Maria do fundo do mar. 

Como crianças fazem roda e cantam a morte da Maria? A coitada morreu afogada só por que não sabia remar? E as canções de ninar? São arrepiantes: 
Boi, boi, boi. Boi da cara preta, 
Pega este menino,
que tem medo de careta... 
Como o garoto vai dormir se o boi da cara preta vem pegá-lo? 
                                                                                                                                                                                                                                                                         Dorme neném, que a cuca vem pegar, 
Papai está na roça, 
mamãe foi trabalhar...
  
Depois a criança cresce cheia de fobias, medo da cuca, do escuro, e acaba no analista. E ainda por cima é preconceituosa. Por que apenas mamãe foi trabalhar? O trabalho de papai na roça, não é trabalho?
Tutu Marambá não venha mais cá.
Que o pai do menino, te manda matar. 
Coitado do Tutu Marambá (o que será isso?), o pai do menino vai contratar um pistoleiro de aluguel pra dar cabo dele! Como dormir com histórias de assassinatos e emboscadas? 
Vem gato preto de cima do telhado, 
Comer esta criança, 
que não quer dormir calado... 
Como dormir sob a ameaça do gato preto descer do telhado “pra” vir devorar a criança viva...
E depois chamam isso de canção de ninar? Prefiro um rock “pauleira”.   
                                                                                                                                           



                                                                               Salvador, 19 de Setembro de 2011

Sávio Drummond.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

MULHER É BICHO ESQUISITO...

Como disse Rita Lee mulher é bicho esquisito, todo mês sangra.  Um professor meu, de ginecologia e obstetrícia, falava: - Via de regra, todo mundo sabe o que é. É a vagina, por onde sai à regra. 
Esse professor contava que todo mês, o útero preparava-se para abrigar a célula ovo (óvulo fecundado). Porém o óvulo indiferente passava e nem olhava a “casa” que lhe fora preparada. O útero então chorava “lágrimas de sangue”.  Conseguiu fazer poesia com a menstruação, o quê levou os estudantes a chamar-lhe de “poeta do mênstruo.”  
Grande número delas (75%), sofrem nos dias que antecedem a menstruação de Tensão PMenstrual, ou Todos os Problemas Misturados. Tornam-se irritadiças, com cefaléia e de paciência curtíssima. Nesse período é melhor você voltar a época da alfabetização e aprender apenas as letras  O.B.D.C. Evita problemas. Em seu banheiro, tem Xampus para cabelos secos, oleosos, normais e um para todo tipo de cabelo. Porque ela não compra apenas esse? 
Sempre se queixa do machismo dos homens. E quem cria e educa o machista? Tem um ditado que diz que cabeça de mulher e de treinador de futebol, guardam segredos insondáveis. É a pura verdade. Engana-se quem acha que as entende perfeitamente.
E como falam. Quando Cristo ressuscitou, apareceu à Madalena e outras mulheres que foram lavar-lhe o corpo e untá-lo com óleo como era costume, na época. Na verdade ele se assegurava de que a notícia se espalharia logo. Não deu outra, em pouco tempo, toda Jerusalém já sabia da novidade. Em um restaurante normalmente vão juntas ao banheiro. Pra quê? Pra falar da que não foi, de como anda mal vestida etc...  
Até o licenciamento do veículo para mulher é mais barato, pois elas batem menos. Concordo, elas são bem mais cuidadosas e dirigem com mais atenção. Mas quando vires um fila de engarrafamento pode ter certeza. Lá na frente tem um carro batido por homem, ou uma mulher dirigindo com muita atenção e cuidado, engarrafando tudo, pois às vezes é necessário andar rápido.  De ombros estreitos, e quadris largos tem um triangulo apoiado na base como símbolo. Estável, não cai nunca. 
O homem inversamente, por ter os ombros largos e os quadris estreitos, é representado por um triângulo apoiado no vértice. Resultado, não para em pé. E depois a chamam de sexo frágil. Frágil? Já pensou se o homem é quem parisse? A humanidade teria entrado em extinção. Até no berçário são diferentes. A menina é mais delicada, tem as mãos menores. O menino normalmente (crianças a termo, de 9 meses) é maior, chora mais forte, acorda os outros e logo o berçário todo está aos berros. 
Segundo a Bíblia, Deu fez o Sol e as estrelas e descansou. Fez a Terra e descansou. Fez os seres vivos, macho e fêmea e descansou. Fez o Homem segundo sua imagem e semelhança e vendo que o homem estava só, o pôs para dormir, tirou-lhe uma costela e dela fez Eva, a 1º mulher! Aí nem Ele, nem o Diabo nem o Homem, ninguém nunca mais descansou.  Segundo o mesmo livro, Deus fez o Homem antes da Mulher, por que todo grande artista antes de fazer uma obra prima faz um rascunhozinho “chifrim” e joga fora. 
Tem uma música que diz; “Mulher não trai, mulher se vinga”. Não é verdade trai, e o faz bem melhor que o homem. O côrno sempre é o último a saber.  Elas também se queixam que os homens não levantam o assento sanitário quando vão urinar e molham tudo. Queria ver elas fazendo xi-xí em pé se não molhariam muito mais!
Como disse Erasmo Carlos; “mulher, mulher, na escola em que você foi ensinada, jamais tirei um dez. Sou forte  mas não chego aos seus pés”.    

Salvador, 20 de Setembro de 2011.   
Sávio Drummond.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O PUXA SACO

 No município de São Francisco do Conde, existe uma localidade chamada Campinas. O prefeito de um dos mais ricos municípios do Brasil, graças aos “Royalties” pagos pela Petrobras, foi inaugurar a Escola Pública de Campinas, para um povo miserável. Haja ladrão!
Um palanque foi armado no centro da cidade. E debaixo de um sol nordestino, inúmeras sombrinhas e guarda-chuvas foram abertos. Um cheiro de sabão de côco e água de colônia, misturava-se a um nauseante “bundum” de suor que rapidamente tomou conta do ambiente.
Seu Cícero (Cicinho para os amigos e as nêgas que mantinha), que tinha aspirações políticas (queria ser  vereador), e para isso fazia inúmeras promessas para “quando fosse eleito”, começou seu discurso:
- Povo de minha Campinas querida, com muita honra apresento o prefeito de nossa amada São Francisco, o maior administrador que nossa cidade já teve. O Dr. Cajado (o prefeito só tinha o primário) até no nome apóia os mais necessitados. Nossa amada cidade muito deve a esse homem. Por ela ele dá até o... que tem e o que não tem. Foi ele que iluminou-la, calçou-la, aguou-la, aterrou-la e esgotou-la. Sem ele todos nós estaríamos andando as cegas, e pisando na água ou pior, na merda. Para esse homem, para nosso pai, peço uma salva de palmas.  Muita vaia e uma ou outra palma.
O prefeito, começou seu discurso, frequentemente interrompido, pelas solitárias palmas de seu Cícero, e envergonhado pelas vaias do povo rapidamente o encerrou. 
Seu Cícero continuou:
- Gente ingrata que “cospe no prato em que comeu”...   
- Cala a boca puxa-saco, gritaram da multidão que começou a se formar. 
 Seu Cícero esquecendo que estava com o microfone, retrucou: 
- Puxa saco é a puta que te pariu! 
A professorinha querendo encobrir os xingamentos entre Seu Cícero e a multidão, faz sinal para a bandinha 25 de Junho, (data da emancipação de São Francisco), que atacou com “Pra Frente Brasil”, e outras emboloradas “pérolas”. 
A um sinal da “pró” a criançada começou a cantar, “perseguida” pela bandinha:
 - “Muito obrigado Seu Cajado, obrigado Cajadinho, que Deus lhe pague em graças, o que você nos deu de carinho... Que Deus lhe cubra com a Mão, por toda sua atenção”...  
A desafinação era enorme. Não tiveram tempo para ensaiar, e “cada um pro seu lado”.
A esposa de Seu Cajado, a mulata Jurema de enorme bunda e peitos fartos, emocionou-se com as crianças e começou a chorar.
 -“Passe lá em casa que eu lhe consolo” gostosa”, gritaram da multidão.
Um grupo vindo da localidade de Caroba, vilarejo vizinho tal qual Campinas, aproveitou a ocasião para protestar contra o Prefeito. A um ano, Seu Cajado inaugurara, em Caroba, uma escola que nunca funcionou, porque não contratou professores.
Com faixas de protesto a multidão começou a vaiar e jogar frutas podres, em quem estava no palanque, no caso Seu Cajado e Seu Cícero, pois todos os outros debandaram.
- Vocês são um “Rebanho de Ingratos”, começou a gritar Seu Cícero, e nem o grupo pago para aplaudi-lo, conseguia com os enormes tambores chamados de “Tapa Vaia”encobrir o barulho da revolta popular, quando um tomate podre acertou-o na testa.
 -“Vá jogar na mãe, filho de uma quenga”!
Um ovo podre, acompanhou o tomate e um cheiro horrível (gás sulfídrico)de peido, obrigou Seu Cícero a “bater em retirada”. 
Protegidos por quatro “enormes” seguranças, chegaram até o carro, que partiu em disparada, sob uma chuva de tomates e ovos podres. 
No ano seguinte, “Cicinho” foi eleito vereador, para delícia sua e das “teúdas e manteúdas”.


Salvador, 22 de Junho de 2011
Sávio Drummond 

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

IRMÃO COUTO

Fernando Spínola, aliás o Irmão de Caridade Couto, como ele mesmo se intitulava, Prior da Irmandade Pia
Dizia ele que com a morte do irmão Hemilton (meu pai), herdou ele a Prioridade da Irmandade. A Irmandade Pia, segundo Fernando, era uma Entidade Religiosa, sem fins lucrativos, que visava o atendimento aos necessitados.
Guardo até hoje, na contracapa de um livro, escrito a maquina, a dedicatória assinada pelo Irmão Couto.
“ Ao Irmão Sávio, dedico esta obra, impressa nas oficinas da Irmandade Pia, com muito carinho. Ficam também convidadas as irmãs, que por força das circunstâncias, virem a precisar dos préstimos piedosos da alma caridosa do Reverendo Irmão Couto.
Certo de que foi feito mais um ato de Piedade Cristã, subscrevo aos sacrossantos  dias de 23 de Março de 1978”.   
Irmão de Caridade Couto. Sempre bem humorado, morou no Edifício Carimbamba, em frente à belíssima praia de Armação. O Edifício Carimbamba (hoje demolido) era um edifício localizado na então distante praia de Armação, que um parente comprou para servir de “Garçoniere”.  Fernando foi lá morar, juntamente com a esposa Ida Catarina Gomes Spínola, melhor Cata.
Em breve todo o Edifício estava ocupado, legal ou ilegalmente, por “uma ruma” de pessoas das mais diferentes profissões, formações, etnias e sexualidades. 
De professor desempregado a Travesti. De artista plástico a prostitutas. Todos convivendo harmonicamente. Ocasionalmente ocorria algum entrevero, comum em pessoas convivendo em grande número, em espaço tão restrito, raramente necessitando de intervenção policial.Certa feita Fernando nos convidou para uma feijoada que Cata havia feito:
- Sávio venha almoçar com a gente. Cata fez uma feijoada da pôrra. Tem de tudo, pé de porco, pé de pica... Com estes ingredientes, a feijoada graças a Deus, não saiu.
Mas a Caranguejada saiu!  
Quando chegamos ao Carimbamba, Cata estava com os pés pra cima do sofá e Fernando com uma vassoura, tentava jogar os caranguejos dentro de uma panela. A corda arrebentou e os caranguejos espalharam-se pela sala. 

O Carimbamba, após um aguaceiro, foi condenado pela prefeitura, pois ameaçava desabar.
Fernando ironicamente (iriam morar aonde?) escreveu em uma tabuleta e fixou-a na entrada do prédio.

Oh! Carimbamba retado. 
Sua fama jamais duvidei.
Mora puta, sacana e viado,
E um monte de côrno encontrei.

Um morador pediu que tirasse a placa, alegando que não era corno. Fernando, pacientemente, explicou:  
- Não estou dizendo que o Senhor é côrno. Estou dizendo que aí tem muitos côrnos. Tem ou não tem? 
- É o que mais tem! 
- Então deixa minha placa onde está.
Como ninguém mais protestou, e como o Carimbamba resistia bravamente, ele fixou a segunda placa.
Mais uma vez, o prenúncio falhou 
E a “pôrra” do prédio não cai.                                                                                                                                                     E assim este amigo ficou, 
Nas “transas “ do entre e sai. 

De outra feita faltou luz apenas no prédio. Fernando foi ao quadro de luz tentar encontrar o defeito.
Deixou escrito na porta do quadro o porque de sua desistência: 
Nunca vi, tanto “gato” 
Em tamanho “ninho de rato”. 

Fernando foi obrigado a fazer um curso antes de se casar, chamado Curso de Noivos. Lá um dos professores explicou que:  
- “Se você acha que a moça bonitinha com quem você vai se casar vai ficar sempre assim, mesmo daqui a trinta anos, olhe para a mãe dela hoje. Daqui a trinta anos ela vai estar igualzinha a mãe”. 
-  Sávio, quase que eu me levanto e vou embora. Mas foi amor a primeira vista. Se eu olhasse pela segunda vez, não casava.

Fernando morreu de Leptospirose. Sugeri a sua esposa que fizesse uma lápide de granito negro, com letras de bronze:
"Aqui jaz um putanheiro, 
contra a vontade.
Apressado, foi primeiro,
Mas deixou muita saudade".

E como deixou.   
   
                                                                               
                                                                                                      Sávio Drummond
     Salvador, 14 de Agosto de 2011.