quarta-feira, 26 de junho de 2013

PEROBA

Apelido carinhoso com que um colega médico, que trabalhou no Serviço Médico de Candeias referia-se a Petrobrás, empresa em que trabalhei por muitos anos, como Médico do Trabalho.
Influenciado pela descoberta de Gás e Petróleo na vizinha Bolívia, o Advogado e escritor paulista, principalmente de literatura infantil, Monteiro Lobato (1882-1948), lança em 1936 a campanha "O Petróleo é Nosso".
Nela acusa o então Presidente- Ditador, Getúlio Vargas (1882-1954) de “Não perfurar e não deixar perfurar”, baseado em pareceres de geólogos americanos, de que no Brasil não havia petróleo. Esta oposição lhe “valeu” 6 meses de cadeia.
Em 3 de Outubro  de 1953, enfim,  o Presidente gaúcho Getúlio Dorneles Vargas (1882-1954), funda a PETROBRÁS ( Empresa Brasileira de Petróleo S.A.), empresa de economia mista, cujo maior acionista é o governo, inaugurando também o Monopólio de Petróleo.
Nestes 59 anos a Petrobrás evoluiu muito. Dos iniciais 1,9% do petróleo consumido, até 90% em 2003 e por fim a auto- suficiência com 1.800.000 barris/dia e 6.000.000 m³/dia de gás natural, no governo Lula.
Em 1961 entra em operação a 1ª Plataforma Marítima Continental (área de até 200 metros de profundidade que orla o continente.
Após ela as profundidades abissais), e a auto-suficiência de derivados é alcançada, graças à inauguração da Refinaria Duque de Caxias, no RJ.
Em 1967 é criada a Petroquisa S.A. (Petrobrás Química S.A.), subsidiária da Petrobrás que fabrica plásticos duros, flexíveis, espuma e fertilizantes.
Em 1968 é criado o CENPES (Centro de Pesquisas e Desenvolvimento), maior centro de pesquisas da América Latina, e que gera o maior número de patentes do mundo! Em 1969 foi feita a 1ª descoberta de petróleo no mar, no campo de Guaricema, há 80 metros de profundidade, em Sergipe.
Em 1997 acabou o Monopólio do Petróleo, mas as grandes empresas estrangeiras, não passaram a explorar e produzir em grande volume, tal a atuação da empresa nacional. Gigantes como a Esso, Shell e Texaco, continuam trabalhando com combustível
importado, ou comprado da Petrobrás, em sua maior parte.
A Petrobrás é líder mundial em exploração em águas profundas, recorde batido no Campo do Roncador, na bacia de Campos, com lâmina d’água de 1886 metros.As maiores jazidas marítimas estão na Bacia de Campos e as terrestres no município de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Com o desenvolvimento do Pré-Sal , seremos o  4º produtor mundial de petróleo até 2030.
Hoje a Petrobrás tem 100 Plataformas de Produção, 16 Refinarias e uma frota de 5 navios na subsidiária Transpetro. Outros 49 serão adicionados a frota em breve. 
Com a descoberta de petróleo em Lobato (atual subúrbio ferroviário), a recém criada Petrobrás, “saía “com caminhões recrutando trabalhadores.Times inteiros de baba (futebol de várzea) foram fichados, muitos só de calção e chuteiras.
Anos depois, inúmeros Chagásicos, começaram a apresentar sintomas.Um “crioulinho”, com capacete de segurança, e farda da Petrobrás, cuja logomarca era um retângulo verde e amarelo com o nome da empresa, chamado de Pretobrás, virou garoto propaganda na época da T.V. preto e branco.
Até música foi criada; “Sai daqui maloqueiro, minha filha só namora petroleiro”.
Dizia-se na época que todo petroleiro é bom de trabalho, comida e “mulé”.
Um antigo petroleiro costumava ser retirado dos braços da amada no “brega” de Candeias, para “pegar no trampo”. Os que trabalhavam no campo, quando chegavam os tonéis, cheios de feijão com chouriço e carne do sertão, e outro de arroz (hoje são servidas quentinhas, feitas e distribuídas por empresas terceirizadas), o petroleiro tirava a “carneira” (armação de plástico, regulável conforme o tamanho da cabeça do usuário, dentro do capacete de segurança), mergulhava o capacete no tonel de feijão, depois no de arroz, “metia” farinha e pimenta e comia tudo.
Dizem que a Igrejinha de Candeias, em agradecimento, foi construída no alto de uma colina olhando para os campos da Petrobrás e não para a cidade.
No Natal um petroleiro levou um peru, como presente para seu chefe, um Engenheiro do Petróleo. Como ele não estava em casa, deixou o peru no jardim, e pendurou no pescoço da ave seu crachá, para que ele soubesse o nome do bajulador.
Logo a notícia se espalhou e ele foi apelidado de Peru de Crachá! Outro petroleiro tinha tido varias mulheres e filhos com todas. Não pagava as Pensões  Judiciais que devia a todas elas. 
A Assistente Social conseguiu convencê-lo que devia fazê-lo, ou poderia ser preso, pois todas deram queixas do salafrário.
Quando se aposentou abriu um bar na beira da estrada de Candeias, frequentado pelos petroleiros da “ativa” e aposentados. Colocou o nome de Bar P.J.

Salvador, 11 de janeiro de 2012.                                                                     Sávio Drummond.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

CAPOEIRA

Os antigos coronéis gostavam de reunir seus escravos, no terreiro da casa grande, após o jantar, e sob a luz de archotes, “vê-los” cantar e dançar os ritmos e músicas africanas.
O Samba Duro, a Umbigada, o Maculelê, jogado apenas com as madeiras chamadas “grimas”, a Puxada de Rede e principalmente a Capoeira.
Toda a família assistia, sob luz de archotes, os negros dançarem essa mistura de dança e arte marcial.
 Criada no Recôncavo segundo alguns pesquisadores, recebeu o nome de Capoeira, que era como chamavam a vegetação que cercava as áreas de Caatinga, e aonde os negros fugidos se escondiam dos perseguidores.
A Capoeira de Angola  por ter sido criada pelos escravos vindos de Angola, recebeu esse nome. Os seus praticantes eram chamados de Angolanos. Tocada pelo Berimbau, feito com uma dura madeira da árvore Biriba (que deu o nome ao instrumento) recurvado como um arco. Para tal, a madeira era presa no solo por fortes grampos e molhada todo dia e deixada secar ao sol, até adquirir a forma desejada. Um fio de metal, percutido com uma vareta de madeira, tendo uma cabaça como caixa de ressonância, que modulava o som ao ser apertado contra a barriga do tocador,  pequenos tambores e um chocalho de palha trançada, com pequenas sementes no seu interior, como um guizo, chamado de Caxixi, passou a ser o principal instrumento musical da luta-dança. Este instrumento, contrário ao que normalmente se acredita, só foi introduzido ao jogo da Capoeira, no final da década de 30 do século passado.
Todavia, o Bedel da Faculdade de Medicina, Manuel Quirino, contemporâneo de Nina Rodrigues registra o uso do Berimbau no jogo da Capoeira em seu livro A Bahia de Outrora de 1916.
Como mostram os desenhos de Rugendas e Debret (Viagem Pitoresca através do Brasil de 1763), o Berimbau era usado inicialmente pelos vendedores ambulantes e cegos, que chamavam a atenção ao tocá-lo, para assim vender seus produtos ou pedir esmolas. A tensão do fio metálico variava, ao se comprimir a corda com um dobrão de cobre, moeda da época.
Os negros, com acompanhamento de voz dos que assistiam, palmas, pequenos tambores que ficavam seguros em um “sovaco” e percutido com a outra mão, abano de palha que era batido contra um porrão de barro, dando um som grave que lembra o surdo, reco-reco, instrumento feito com um gomo de cana com cortes, friccionados com uma vareta de metal e pandeiros, na verdade estavam se exercitando e ensinando aos outros uma eficiente luta que, disfarçada de dança, era aceita e incentivada por seus senhores. 
Na primeira oportunidade, fugiam para os núcleos de resistência, chamados de Quilombos.(Emília Biancardi Ferreira, Folclorista, Professora de música em Raízes Musicais da Bahia, 2006). 
Seus habitantes eram conhecidos como Quilombolas. Ficaram famosos os Quilombos de Maracangalha, no atual município de S. Sebastião do Passé, Arco Zêlo no Rio, onde 300 escravos fugidos e liderados por Manuel Congo que o fundou em 1838, e o mais famoso de todos, o de Palmares, chefiado pelo alagoano Zumbi, filho de reis africanos feitos escravos, e trazidos para o Brasil.
Os Quilombos não eram apenas núcleos de resistência formados por negros fugidos. Neles muitos brancos abolicionistas, criminosos comuns ou políticos perseguidos, procuraram refúgio.

A Puxada de Rede, com seus cantos dolentes, deixou muitas saudades. “O Mestre” solava, e os puxadores repetiam o refrão, ao mesmo tempo em que puxavam a rede, sob a marcação de pequeno tambor, enquanto cantavam:
No mar, no mar, no mar.
No mar eu vi cantar,
No mar, no mar, no mar, minha sereia,
Ela é sereiááá...

Menina do peito duro,
É duro de natureza,
Queria ser criança,
Prá mamá nessa beleza.

No mar, no mar, no mar,
No mar eu vi cantá.
No mar, no mar, no mar minha sereia,
Ela é sereiááá...
  
Quem tivé sua fia moça,
Não deixe apanhá café,
Quando sai ela é moça,
Quando vorta é muié.

No mar, no mar, no mar,
No mar, eu vi cantar,
No mar, no mar, no mar, minha sereia,
Ela é sereiááá... 

Menina por Deus eu juro,
Eu juro e torno a jurar,
No colo que eu dormir,
não deixa outro se deitá.


Ficou famoso o capoeirista de Santo Amaro chamado Besouro.Contam que Besouro, fugindo da polícia, viu-se encurralado. Então, como Jesus, colocou-se de braços abertos em um cruzeiro. O regimento detonou os fuzis, como em um fuzilamento. Nenhuma bala o atingiu, que escapuliu para o mato enquanto os soldados recarregavam as armas.
Os “angolanos” alforriados costumavam jogar a capoeira em praça pública em troca de dinheiro recolhidos em um chapéu.
Os capoeiristas de Angola tinham um “uniforme”. Terno de linho branco, lenço de seda enrolados no pescoço e descalços. Com isso queriam mostrar que ao fim da luta estavam cobertos de suor, com as palmas dos pés e mãos encardidas, mostrando, que elas foram as únicas partes do corpo que entraram em contato com o chão. Se qualquer outra parte tocasse o solo, sujaria o terno. O lenço de seda no pescoço era para proteger este ponto vital, pois a navalha, arma usada pelos capoeiristas, de um só golpe não corta a seda. As academias de capoeira usavam lenços de cores variadas, conforme a graduação do aluno.
Os angolanos costumavam pular os muros dos cemitérios para roubar ossos humanos, e com eles esculpir punhais. Diziam que se o “cabra” não morresse do ferimento, pegaria uma gangrena...Explica-se: os ossos humanos, por terem material orgânico em decomposição, e por estarem enterrados, são ricos em esporos do tétano. Este ferimento geralmente originava a doença fatal.
Dom Pedro II, o amante das artes, poesia e botânica,  acabou proibindo a acapoeira e mandando prender os capoeiristas.
As cadeias da Bahia estavam cheias de capoeiristas, quando estourou a guerra do Paraguai (1864 a 1870). 
A imperatriz Isabel, que herdara a Coroa de seu pai, mandou todos para frente de batalha em troca da alforria, se retornassem.
A liberdade oficial só aconteceria em 1888.
O Brasil foi o último país do mundo a acabar com a escravidão.
A Capoeira Regional foi criada na década de 30 do século passado por Mestre Pastinha, crioulo alto, magro, casado com uma baiana de acarajé. Policial e amante da capoeira de Angola “pegou” seus golpes e a eles acrescentou golpes de luta livre, tornando-a mais agressiva e eficiente.
Nascia a Capoeira Regional.

                                                                                                                 Salvador, 04 de Março de 2013.

Sávio Drummond.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

OLHA O PÃO!

No interior do Recôncavo, protegido dos fortes ventos e ondas do Atlântico, fica a vila de São Tomé de Paripe.
No alto do mais elevado dos morros, fica a Igreja de São Tomé, construída pelos padres e índios, em 1627, e antigo cemitério ao lado.
Como as pessoas eram frequentemente enterradas enroladas em rede (costume indígena), e em covas rasas, as chuvaradas acabavam expondo os ossos. Espetáculo belo e tétrico: brancos crânios e ossos longos como fêmures, tíbias e úmeros, brilhavam ao sol.
São Tomé era antiga aldeia de índios Tupinambás, à beira mar, cujo chefe indígena Paripe, tinha a aldeia principal, na localidade atual de mesmo nome, há 6 Km de distância.
Todo o abastecimento da localidade era feita pelos saveiros, embarcação indiana, trazida para a Bahia de 1530 a 1560.
Esta embarcação chegou a um número de 2000, nas lutas de independência que culminaram com a expulsão das tropas do general Madeira de Melo, aqui e em Itaparica aquarteladas, em 2 de Julho de 1823.
Todo o comércio da cidade, recôncavo, até Cachoeira e São Felix era realizado pelos Saveiros, que “entravam” pelo Rio Paraguaçu.
Seus porões transportavam desde cimento, tijolos, areia para a construção das antigas mansões, a sacos de feijão, arroz, farinha, carne salgada (charque). Com a maré cheia, os saveiros paravam nas rampas, que é a forma mais fácil para transportar pesos (os sacos).
Lá só existe uma escadinha, muito apreciada pelos namorados.
Em São Tomé ficava a venda de Seu Cesáreo, espanhol  já idoso, que passava o dia atrás do balcão, com camisa de meia e lápis atrás da orelha.
No fundo, na parede, uma tabuleta que dizia: “ Fiado só para maiores de noventa acompanhado dos pais”.
Em antigo balcão, seu Cesáreo pesava em precisa Balança Filizola, o popular “agrado”, para as freguesas preferenciais, como minha mãe, que tinham até caderneta, onde as compras diárias eram anotadas e pagas no fim de semana. 
Toda meia noite saía a fornada de pães na padaria atrás da venda.
Comprávamos esse pão, que derretia a manteiga nele colocada e que tomávamos com café com leite. Nossa ceia, antes de dormir.
Diariamente, um garoto saía às 7 e às 5 da tarde, com enorme balaio na cabeça, vendendo o pão de Seu Cesáreo.
- Olha o pão!
E São Tomé inteiro comprava o pão de Seu Cesáreo para o café e jantar.
Certo dia o garoto mercava e ninguém queria comprar o pão para o jantar.
- Olha o pão!
E nada, o que exasperou o garoto.
- Olha o pão, porra!
Deram queixa a Seu Cesáreo, que demitiu o garoto.


                                                                                           
Salvador, 04 de Maio de 2013

Sávio Drummond