quarta-feira, 30 de novembro de 2011

MEU AMIGO

Conheci uma pessoa que se tornou meu melhor amigo.
Assim como costumava dizer: “Homem que é homem não deixa rastro, deixa saudade”, deixou gratas recordações, e um imenso vazio quando se foi.
Esse homem trabalhava de “sol a sol”, para que nada faltasse à família.
Recordo-me dele usando apenas dois paletós. Um cinza escuro e outro azul marinho.
Nunca teve carro e seus filhos logo o tiveram, assim que pode comprar.
Seus filhos também estudaram em colégios particulares, pois como dizia, a cultura era a maior herança que poderia deixar. Só permitiu que tivessem emprego regular, quando saíram da Faculdade. Um Advogado e outro Médico.
Baixinho, era do tamanho da esposa, e quando saiam “de braços dados”, ficava menor que ela devido ao salto alto que ela usava.
Atlético, foi apelidado pelos irmãos de Tarzan do Galpão, pois em um galpão no fundo da casa, construiu barras paralelas, assimétricas, argolas, enfim, uma verdadeira academia de ginástica, batendo vários “records” amadores.
Remador do Clube de Regatas São Salvador, competia na Enseada dos Tainheiros.
Costumava todo fim de tarde trocar de roupa na casa de uma Senhora que morava na Cidade Baixa, em frente ao mar, nadar até a “bóia “mais próxima, ande subia e via a “cidade acender”. Depois voltava para a casinha da senhora, orientando-se por uma luz azul, que instalou na porta, tomava “banho doce” e ia pra casa.
Durante o CPOR (Serviço militar para universitários), praticou inúmeros esportes, ganhando várias medalhas para a faculdade de Odontologia, até em uma final de Box Amador ser nocauteado por um colega, também estudante de Odontologia.
Autodidata, estudou Inglês sozinho e trabalhou em uma Loja de Ferragens, para custear os estudos.
Um marinheiro americano, cuja embarcação fora torpedeada, nas “costas” da cidade na 2º Guerra Mundial, ao ficar hospitalizado no Hospital Santa Luzia em Nazaré, onde trabalhava como dentista, adorava conversar com ele, pois no Hospital onde estava internado ninguém falava Inglês.
Com o término da Guerra, o marinheiro ficou aguardando que o Consulado mandasse o avião para resgatá-lo. Enquanto isso costumava jantar na casa do amigo Dentista, e levava vinhos finos e presentes para ele e a esposa. Aperfeiçoou o Inglês a ponto de falar fluentemente.
Desenhista, sem nunca ter tomado curso, fazia as provas de Anatomia da Cabeça e Pescoço da Faculdade de Odontologia, aonde estudava, desenhando.
Imagino a dificuldade dos professores em corrigir as provas descritivas do resto da turma.Vi  vários desenhos dos dentes e suas estruturas que fez em cartolina, para dar aula na Faculdade de Odontologia da UFBa, onde veio a ensinar.
Sofreu  grande injustiça profissional. Um professor de odontologia, de quem era assistente, teve sua Tese  para Professor Catedrático, feita por ele, inclusive os desenhos que certamente auxiliaram muito os estudantes. Aprovado com louvor, o Professor nomeou assistente um genro que acabara de se formar.
Desgostou-se e se demitiu. Foi a primeira vez que o vi chorar.
Seu filho mais novo teve grave doença renal e seu irmão Médico o tratou, mas todo o acompanhamento de enfermagem, desde a dieta até o  controle da densidade , volume urinário e perda de Albumina na urina era ele que fazia. Para ocupá-lo inúmeras miniaturas foram compradas, armadas e pintadas nos três meses que passou de cama.
Em seu consultório, tinha anexa pequena oficina. Lá confeccionava as próteses dentárias, pivôs e jaquetas que produzia com maestria.Tornou-se hipnólogo, pois alguns pacientes tinham “fobia” pela cadeira e principalmente pelo motor, desmaiando até.
Graças a Hipnose chegou a extrair dente, em uma paciente alérgica ao anestésico.
Muito culto, chegou a ler as“Obras Completas de Schopenhauer”. Tentei mas não consegui.
Era um excelente psicólogo. Observava as curiosidades e inclinações dos filhos e “misteriosamente” apareciam livros ou instrumentos que as satisfizessem.
Um deles mostrou interesse por astronomia. Certa manhã o livro Cosmos de Carl Sagan e um telescópio apareceram.
A Origem das Espécies do naturalista Inglês Charles Darwin, respondeu a curiosidade de um deles a respeito da variedade de seres vivos.
Após explicar-lhe as Teorias Criacionista e Evolucionista, deu-lhe de presente o livro, que muito o influenciou na escolha da carreira no futuro.
Ele também viveu fenômenos inexplicáveis, tidos como para-normais.
Certa feita quando toda a família foi a Cidade de Feira de Santana pedir “a mão” da que seria sua 1º nora, na volta, na Estação Rodoviária, ao botar a mão no bolso para tirar a carteira e comprar as passagens,
percebeu que a tinha perdido ou que teria sido furtada. Uma voz de um interlocutor invisível sussurrou em seu ouvido:- Vá ao banheiro.
Assim fez e a primeira coisa que encontrou foi uma carteira cheia de dinheiro. Retirou a quantia que precisava e a entregou no Achados e Perdidos, aonde um Senhor aflito agradeceu-lhe pelo achado, principalmente devido aos documentos e gratificou-o com soma maior do que a que havia subtraído. Fez o Supermercado a semana inteira. Para sua sogra fez uma coleção da Bíblia comentada por Padres, de sete volumes, encadernada em couro. Uma preciosidade.
Para satisfazer a curiosidade dos filhos as Coleções Tecnirama, Grandes Pintores, Universo , Nosso Século, Medicina e Saúde , Arte nos Séculos e outras encheram as prateleiras. Até uma pequena enciclopédia (bem menor que a Britânica) ele comprou.Costumava bater “altos papos” com ele, e em um momento emprestou-me uma vultosa soma  com a qual terminei a casa aonde moro há mais de vinte anos.
Quando quis pagar-lhe o empréstimo não aceitou.
Como diz a letra de certa canção: “Naquela mesa está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim”.
Era meu pai.

Sávio Drummond
Salvador, 04 de Julho de 2011.

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