sexta-feira, 16 de setembro de 2011

IRMÃO COUTO

Fernando Spínola, aliás o Irmão de Caridade Couto, como ele mesmo se intitulava, Prior da Irmandade Pia
Dizia ele que com a morte do irmão Hemilton (meu pai), herdou ele a Prioridade da Irmandade. A Irmandade Pia, segundo Fernando, era uma Entidade Religiosa, sem fins lucrativos, que visava o atendimento aos necessitados.
Guardo até hoje, na contracapa de um livro, escrito a maquina, a dedicatória assinada pelo Irmão Couto.
“ Ao Irmão Sávio, dedico esta obra, impressa nas oficinas da Irmandade Pia, com muito carinho. Ficam também convidadas as irmãs, que por força das circunstâncias, virem a precisar dos préstimos piedosos da alma caridosa do Reverendo Irmão Couto.
Certo de que foi feito mais um ato de Piedade Cristã, subscrevo aos sacrossantos  dias de 23 de Março de 1978”.   
Irmão de Caridade Couto. Sempre bem humorado, morou no Edifício Carimbamba, em frente à belíssima praia de Armação. O Edifício Carimbamba (hoje demolido) era um edifício localizado na então distante praia de Armação, que um parente comprou para servir de “Garçoniere”.  Fernando foi lá morar, juntamente com a esposa Ida Catarina Gomes Spínola, melhor Cata.
Em breve todo o Edifício estava ocupado, legal ou ilegalmente, por “uma ruma” de pessoas das mais diferentes profissões, formações, etnias e sexualidades. 
De professor desempregado a Travesti. De artista plástico a prostitutas. Todos convivendo harmonicamente. Ocasionalmente ocorria algum entrevero, comum em pessoas convivendo em grande número, em espaço tão restrito, raramente necessitando de intervenção policial.Certa feita Fernando nos convidou para uma feijoada que Cata havia feito:
- Sávio venha almoçar com a gente. Cata fez uma feijoada da pôrra. Tem de tudo, pé de porco, pé de pica... Com estes ingredientes, a feijoada graças a Deus, não saiu.
Mas a Caranguejada saiu!  
Quando chegamos ao Carimbamba, Cata estava com os pés pra cima do sofá e Fernando com uma vassoura, tentava jogar os caranguejos dentro de uma panela. A corda arrebentou e os caranguejos espalharam-se pela sala. 

O Carimbamba, após um aguaceiro, foi condenado pela prefeitura, pois ameaçava desabar.
Fernando ironicamente (iriam morar aonde?) escreveu em uma tabuleta e fixou-a na entrada do prédio.

Oh! Carimbamba retado. 
Sua fama jamais duvidei.
Mora puta, sacana e viado,
E um monte de côrno encontrei.

Um morador pediu que tirasse a placa, alegando que não era corno. Fernando, pacientemente, explicou:  
- Não estou dizendo que o Senhor é côrno. Estou dizendo que aí tem muitos côrnos. Tem ou não tem? 
- É o que mais tem! 
- Então deixa minha placa onde está.
Como ninguém mais protestou, e como o Carimbamba resistia bravamente, ele fixou a segunda placa.
Mais uma vez, o prenúncio falhou 
E a “pôrra” do prédio não cai.                                                                                                                                                     E assim este amigo ficou, 
Nas “transas “ do entre e sai. 

De outra feita faltou luz apenas no prédio. Fernando foi ao quadro de luz tentar encontrar o defeito.
Deixou escrito na porta do quadro o porque de sua desistência: 
Nunca vi, tanto “gato” 
Em tamanho “ninho de rato”. 

Fernando foi obrigado a fazer um curso antes de se casar, chamado Curso de Noivos. Lá um dos professores explicou que:  
- “Se você acha que a moça bonitinha com quem você vai se casar vai ficar sempre assim, mesmo daqui a trinta anos, olhe para a mãe dela hoje. Daqui a trinta anos ela vai estar igualzinha a mãe”. 
-  Sávio, quase que eu me levanto e vou embora. Mas foi amor a primeira vista. Se eu olhasse pela segunda vez, não casava.

Fernando morreu de Leptospirose. Sugeri a sua esposa que fizesse uma lápide de granito negro, com letras de bronze:
"Aqui jaz um putanheiro, 
contra a vontade.
Apressado, foi primeiro,
Mas deixou muita saudade".

E como deixou.   
   
                                                                               
                                                                                                      Sávio Drummond
     Salvador, 14 de Agosto de 2011.

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