sábado, 3 de setembro de 2011

SÓ OS FEIOS AMAM PERFEITAMENTE


Moravam na mesma rua, e só andavam juntos. Toda a rua “fazia gosto” em um namoro entre os dois, que por fim aconteceu. Ele formou-se em Artes Plásticas e ela em História.  Casaram-se e foram morar perto dos pais. O amor do casal emocionava toda a rua, que continuava acompanhando o romance.
Como pintor e escultor não ganhava nada. As “despesas da casa” eram pagas por ela, e as refeições feitas nas casas dos pais, o que ajudava a “irem levando”.
Recordou-se de Vincent Van Gogh, que quando vivo só vendeu um quadro, que foi comprado por seu irmão Theo, em nome de terceiros. O gênio Holandês morreu sem saber.
Para conseguir ganhar “algum”, tornou-se Funcionário Público. Lembrou-se de Carlos Drummond de Andrade que trabalhou até aposentar-se no Ministério da Educação. Na repartição sentia-se “emparedado” e frequentemente fazia esboços de futuros  quadros, atrasando seu monótono e enfadonho trabalho. 
Seu pensamento voava para lugares que só ele conhecia, e estava cada vez mais “avoado”, pego por diversas vezes falando sozinho.
Manoel Bandeira, em sua poesia Poética, dizia o que ele pensava a respeito: devido aos baixos salários é que muitos funcionários públicos tem mais de um emprego. Deixam o paletó na cadeira, enquanto vai para outro emprego. Quando procurado, seu colega diz:
- “Ele está na casa, olhe o paletó dele aí”.  
Maus Funcionários Públicos fizeram generalizar  o mito de que todo Funcionário Público é corrupto, ao cobrarem propina para fazer o trabalho que é sua obrigação. O PF (por fora) vulgarizou-se manchando o nome dos bons funcionários. Um colega seu aconselhou: 
- Você tem que fazer artesanato e vender no Mercado Modelo. Arte só para “atender” ao seu coração. Ninguém, por mais que goste, vai deixar de comer para comprar um quadro seu.
O primeiro natal que passaram juntos, ela comprou pincéis e tinta, e ele vendeu o material de pintura que tinha para lhe dar de presente um livro de História. História do folclore Afro-Baiano. O presente para ele não serviu, pois não tinha mais nenhuma tela, e ela ensinava História Geral e não História Folclórica. Parecia um conto de O’Henri. 
A massacrante rotina começou a “minar” o casamento, fazendo com que pequenos defeitos de ambos, antes sequer observados adquirissem proporções gigantescas.  A tolerância e a renúncia, únicas armam para se manter uma convivência, já não funcionava.
Resolveram separar-se antes que começassem a odiar-se, e voltaram a morar com os pais e a namorar como antigamente. O “dia a dia” vencera. 

Ao comprar um quadro encontrei escrito atrás: 
 "Só os feios amam perfeitamente.
Esquivos e transparentes, 
Amam em sonhos, como devem amar os anjos.
E não há forma mais perfeita de amar."

O autor do quadro provavelmente escrevera estes versos, com os quais concordo plenamente.
Amor perfeito só o platônico. Os feios, ou seja, aqueles que não se aproximam das mulheres, amam-nas em sonho, como devem amar os anjos. Só os feios amam perfeitamente. 


Salvador, 04 de Junho de 2011
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Sávio Drummond                                              

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