Um homem muito bom morreu, e foi pro céu.
Qual sua surpresa ao ver que tudo aquilo que aprendeu em casa, e depois no Colégio dos Padres era verdade.
Campinas verdejantes, muitos animais soltos pastando, cachorro brincando com gato, gato com rato, e pássaros em revoada ou em frondosas arvores.
Riachos de águas cristalinas deixavam ver um fundo com pedras de seixo. Um perfume e suave música preenchiam o ar.
Brilhante Sol tudo iluminava sem queimar a pele. As cores eram vivas e indescritíveis, pois com seu limitado vocabulário terrestre, nunca conseguiria descrevê-las.
Quando vivo, por força da profissão, vira o Sol nascer muitas vezes, e o hábito “o acompanhara”. Levantava-se antes do Sol, e uma orquestra de pássaros anunciava a chegada do dia. O Sol começava a tingir o céu e as nuvens de rubros e dourados. Quadro que nem os grandes Mestres sequer sonharam em pintar.
Veneráveis anciãos passeavam, enquanto transmitiam sábios ensinamentos aos mais jovens ou recém chegados.
Todos vestiam longas túnicas de cores claras, e com o tempo percebeu que as cores correspondiam ao grau de elevação espiritual de cada um. Homens e mulheres, algumas belíssimas, tinham a libido diminuída pela semelhança nos trajes, igual para todos, e que escondiam as formas femininas. Todos eram irmãos.
Com surpresa reconheceu Dona Estelita, negra retinta, analfabeta que lavava roupa para sua mãe, com alvinitente túnica.
Lá as pessoas valiam pelo que eram e não pelo que tinham. Descobriu que as maiores riquezas, são aquelas que acumulamos no céu.
Estranhamente percebeu que continuava sentindo fome, sono, cansaço, e todas as necessidades fisiológicas.
Dona Estelita lhe explicou que não era pelo fato de ter morrido, que as obrigações corporais passariam. Isto viria com o tempo, à medida que cada pessoa evoluísse espiritualmente.
Periodicamente Dona Estelita chefiando um grupo, fazia visita às pessoas queridas, que continuavam no “dia a dia”. Com profunda tristeza viu parentes e amigos, repetirem os mesmos erros que fez durante toda a vida. E não podia fazer nada... No retorno a saudade doía como uma “ferida braba”.
Aos poucos foi se acostumando à rotina do lugar. Ele que tinha sido médico, percebeu que seu conhecimento mal dava para atender aos necessitados. Trabalhava como enfermeiro em um hospital que assistia aos que chegavam, pois raros eram aqueles que não precisavam de socorro médico. Acima de tudo era uma lição de humildade.
Notou que seu companheiro de quarto, pelo menos uma vez por semana, não dormia no alojamento, e que antes do amanhecer entrava pela janela que pedia para deixar destrancada. Com o passar do tempo começou a olhar as “irmãzinhas” com olhos nada fraternos. Quando essa ou aquela morena passava, acompanhava seu andar e imaginava belo corpo rebolando por baixo daquele “camisolão horrível”!
Certo amanhecer esperou o colega pular a janela e o obrigou a contar o motivo das suas ausências e seu cansaço diurno nesses dias.
O malandro explicou que periodicamente, quando todos se recolhiam, dava uma fugidinha e ia até o Inferno, pois lá tinha bacanal toda a noite. E tinha cada diabete de “parar o trânsito”.
O único problema era voltar antes que o porteiro levantasse para fazer a “contagem matinal”. Por isso chegava antes do nascer do sol e pulava a janela.
- Na próxima você vai ter que me levar!
- De jeito nenhum. É muito perigoso. Só pra um “macaco velho” como eu!
- Então vou contar tudo ao porteiro e adeus “mamata”.
Na primeira oportunidade foram, e não podiam ter escolhido um dia melhor.
Estava acontecendo um baile de Carnaval, de meter inveja ao do Municipal, nos seus melhores dias.
Abastecidos com Viagra vendido por um muambeiro paraguaio, passaram “o roldo” em todas, e acabaram perdendo a hora, chegando já de dia.
Foram recebidos por São Pedro em pessoa. Ante a porta, com enorme barba e a careca brilhando sob o Sol nascente, o ancião agitava as chaves e esbravejava:
- Voltem de onde vieram, pois lá é que são seus lugares.
Cabisbaixos retiram-se, quando o chegado recentemente pergunta:
- E agora o que faremos?
- Continue andando, e com cara de triste, pois “o home” ta olhando. Vamos dar a volta, pois o porteiro do fundo é “lá da terrinha”, e é ele que me deixa sair e entrar nas farras.
Sávio Drummond Salvador, 01 de Agosto de 2011.
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