quarta-feira, 31 de agosto de 2011

SOLIDADE

Baile do fim do ano letivo de 1965. A banda do colégio tocava os sucessos da época, vestidos e penteados como os Beatles, que influenciaram a todos, “ditando” moda e conceitos.   Os 4 rapazes de Liverpool gravaram vários LPs, com sucesso de todas as faixas.  A banda, sofrivelmente, tocava os sucessos de Roberto e Erasmo Carlos, Leno e Lílian, Trio Ternura e a Turma da Jovem Guarda.
O jovem de 16 anos estava apaixonado pela colega da sala vizinha, e aprendera a identificar sua voz entre dezenas de outras que cantavam Alegria-Alegria, Ponteio ou Travessia, quando dos intervalos das aulas. Em silêncio, remoía seu amor desesperado.
Quando do descanso do conjunto, colocaram na radiola And I love her, a música que mais gostava.
Enxugando o suor das mãos tirou-a para dançar. Era agora ou nunca! Sob a voz de John Lennon, que parecia cantar só pra eles, dançaram em um salão vazio.
Soube que era da cidade de Solidade, e que seu pai, pequeno agricultor, com grande sacrifício a colocara para estudar o Científico no melhor Colégio Público da capital, e que morava em uma pensão só para moças, na rua atrás do colégio. Que sua responsabilidade era muito grande, pois seu pai, no fundo queria que ela fosse tudo aquilo que não havia conseguido ser.
Por diversas vezes seus dedos perderam-se em seus negros cabelos, que chegavam até a cintura. Intimidades que aceitas, mostravam que era correspondido.O perfume que sentia era dos seus cabelos, ou estava no ar? Cantava baixinho ou dizia que o amava? Sentia seu coração bater em seu peito ou era o seu próprio que, tonto como ele, erra de lugar?
De manhãzinha levou-a até a pensão, e as ultimas estrelas, que “teimavam em não ir dormir”, testemunharam seus beijos e a promessa que voltariam a namorar na volta às aulas, no ano seguinte.
Três meses sem se verem. Engana-se quem julga poder viver um grande amor impunemente.
Ao chegar a casa lembrou-se que não perguntara seu nome.   Após o almoço “correu” ao pensionato.
Os empregados informam que todas tinham voltado as suas cidades. Lembravam-se de uma ou outra pensionista, mas da moça morena de Solidade...nada.
No início das aulas a moça não retornou. Soube que com a morte do pai, tivera que permanecer em Solidade e trabalhar, ajudando a mãe. 
Não se casou, nem tivera filhos. Após aposentar-se a inatividade o massacrou. “Mil doenças” apareceram e seu médico aconselhou-o a espairecer. Por que não viajar?   Resolveu ir até Solidade, encontrar seu amor do passado.
A seca daquele ano tinha sido a mais braba dos últimos anos. Na região muitos tinham trancado as casas e ido embora após a morte das criações. O chão rachado soltava uma poeira fina que tingia a tudo de vermelho.
Uma moça muito parecida com sua paixão o atendeu, e depois de ouvir a história disse-lhe, com lágrimas nos olhos, que ela morrera há poucos anos. Contou-lhe que sua mãe, só após tornar-se viúva, tivera coragem de contar-lhe sobre o grande amor que tivera quando tinha 16 anos, e que só namoraram por um dia.
Mostrou-lhe um velho retrato. Amarelada e quase apagada a foto mostrava como era há 40 anos. Atrás tinha escrito: Meu grande e único amor. - “O Senhor poderia ter sido meu pai e este pestinha seu neto”.  Um garotinho moreno e suado foi chamado para conhecer um amigo da vovó.

No retorno, o ônibus parecia que não chegaria nunca, embora o asfalto “voasse” sob seus pés.   De agora em diante o resto de sua vida, seria só de lembranças. Lembranças sem nome, pois mais uma vez esquecera-se de perguntar o nome dela.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Salvador, 06 de Junho de 2011    
Sávio Drummond
                                                                                                                                                                     

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