Um
dos personagens, mais “perturbados” que conheci, foi o vento.
Aventureiro, conhece o mundo inteiro, pois já deu várias voltas ao globo.
Prestativo, seca as roupas
do varal, refresca-nos, agita as folhas das árvores e a palha dos coqueiros,
dando-nos poesia de graça.
Da Grécia antiga o Deus Éolo
soprando forte, esfuma as velas dos saveiros, levando-os a lugares que só
atingimos com o pensamento. Continentes
foram descobertos, pelo Homem dito civilizado, graças à força de seu sopro, ao
movimentar as Caravelas.
Ele
também movia às pás dos Moinhos de Vento, que deram lugar as atuais hélices de
altas torres, para geração de energia elétrica.
O Homem muito deve ao vento. Graças
a ele, empinava as arraias (pipa, papagaio) quando criança, e era horrível
quando ele as levava para diante do Sol. Não dava para ver nada!
À
noite, soprando nas frestas da janela, parecia um lamento e muitas vezes me
roubava o sono.
Ousado
e brincalhão, levanta as saias das mulheres, provocando gritos de susto, e as
corando de vergonha. Um devasso esse vento, um horror!
Ele também “empurra “as nuvens, no azul do céu, e assim participa da
obra-prima que Deus nos dá de graça, todo entardecer e amanhecer, quadro que
nem os Grandes Mestres sonharam em pintar, e ninguém repara...
O
vento traquino, “dando uma” de poeta, também agitou os cabelos negros de minha
primeira namorada, e fez com que um perfume de sândalo me embriagasse. Obrigado
amigo!
Quando
adolescente, costumava ficar juntamente com um grupo de desocupados, no calçadão
do Edifício Sulacap, esquina da Ladeira de São Bento com a Avenida Sete. Ante
nossos olhos a Praça Castro Alves, o monumento onde no alto o Poeta dos Escravos,
com a mão direita em riste, declama seus versos, o mar azul da Cidade da Bahia e
o cinza do perfil das ilhas, do outro lado da baía.
Todo
dia, as 17:00 hs, no verão, o vento, “saído do nada” levantava as saias das
moças, que costumavam ir com as mães assistirem a missa das cinco na Igreja de
São Bento.
Era moda na época, uma saia rodada, chamada Balão, que muito facilitava o
trabalho do depravado. Ficávamos
apostando cigarro, para ver quem acertava a cor das calcinhas das moças.
Preta e branca
eram as preferidas, e um colega nosso, alto, magro com óculos fundo de garrafa,
que não errava nunca, acertou certa tarde a improvável cor de uma; Amarela!
Apelidaram-no, a partir desta data de Calçolão!
Certa feita uma moça passou, acompanhada da mãe e o vento devasso,
“rápido como quem rouba”, levantou sua saia até o pescoço.
Para
surpresa nossa a coitada, que devia estar com algum problema de alergia, estava
sem calcinha e depilada! Calçolão
não “perdeu tempo”, e exclamou:
- Essa
eu não acertaria nunca. Mas, parabéns moça, passou no vestibular!
Até o poeta, no alto do seu “modorrento” pedestal, arriscou uma olhadela
de “canto de olho”.
Isso
aconteceu há 40 anos, e outro dia vi um humorista contar na televisão, como
piada!
Mas
é verdade. Calçolão está de prova, e eu estava lá. Juro!
Salvador, 16 de maio de
2012 Sávio Drummond.
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