quarta-feira, 20 de junho de 2012

MEMÓRIAS DO BORDÉU

Pensei muito se deveria escrever este conto.
Mas, se o escritor alagoano Graciliano Ramos escreveu Memórias do Cárcere,onde narra suas memórias na prisão durante a Ditadura de Getúlio Vargas, porque não posso escrever sobre fatos acontecidos nos bordéis? É verdade que entre eu e Graciliano vai uma distancia muito grande.
Distância que usa Fardão da Academia Brasileira de Letras e se expressa em livros de caras brochuras.Quanto a mim, no máximo em folhetos misturados aos Cordéis.
Também, o colombiano Gabriel Garcia Marques, premio Nobel de Literatura em 1982, escreveu Memória de Minhas Putas Tristes. Porque eu não posso?
 A 1º memória retrocede a 1888 quando Vincent Van Gogh (1853 - 1890),genial pintor holandês, dividiu o aluguel com o artista francês Paul Gougain (1848 - 1903), na cidade de Arles, no sul da França. Em busca de luz, o pintor holandês foi morar em região mais equatorial e por desentendimento com o também pintor Paul Gougain, quis agredi-lo, por discordarem a respeito do Movimento Impressionista batizado por Vincent, de Casa Amarela, em alusão ao sobrado em que moraram por dois meses.
Outros dizem que Van Gogh, foi a um bordel, e emocionado com a história que lhe contou uma prostituta, de que estava naquela vida para alimentar os filhos, acabou dando todo seu dinheiro a ela.Contou a Paul Gougain o que tinha feito. O francês foi verificar a veracidade da história ou se era mais um devaneio do companheiro sonhador.Relatou a Van Gogh, que a mulher o enganara e que “transou” com ela a noite toda. Alucinado, partiu pra cima do francês, que muito mais forte e corpulento, derrubou-o com um safanão e retirou-se. O holandês então, por ter sido enganado pela mulher e por ter sido inferiorizado fisicamente, com a navalha de fazer barba, corta a própria orelha, punindo-se.
 Era o ano de 1888 e estava com 36 anos. Gougain foi pintar as morenas das ilhas francesas do Pacífico Norte, principalmente em Papete, capital do Thaití, e morreu aos 55 anos de Sífilis, sendo enterrado em Dominica, nas ilhas Marquesas.
Um conhecido meu, foi a um Bordel chamado Buraco Doce.Lá encontrou uma colega nossa, que estudava o Científico de dia e era “Garota de Programa” à noite. Assim custeava seus estudos e a pensão onde morava. Hoje é médica famosa. 
Porém, entrou para os anais da literatura popular o discurso que um conhecido fez à beira do caixão, em um velório em um “puteiro” do Pelourinho. Um conhecido farrista dos anos 50, Aristeu Carrasco Dellos Chíbius (tem cada sobrenome estrangeiro...), foi encontrado morto no quartinho que alugava no Pelô. Devido aos antecedentes de cachaceiro, o médico assinou o Atestado de Óbito como; “Complicações decorrentes de Cirrose Hepática”.Os “amigos de copo” se quotizaram e compraram um caixão, e seus conhecidos, personagens das noites baianas, bêbados e prostitutas foram velar-lhe em um Bordel no Pelourinho, chamado Anjo Azul.Como a receptividade foi boa, num instante apareceu Violão, Cavaquinho,Timbau e até uma Flauta Transversal.
O velório cumpria o desejo do falecido, que pediu para ser velado pelos amigos, com muito samba e cachaça. Nada de lágrimas. Também não deixou viúva ou filhos que o pranteassem.Os agiotas e bancos, a quem devia “se lenharam”. Não restou ninguém para pagar as dívidas.
Em meio ao “sambão”, ou melhor, velório, o repentista famoso, Romeu do Amor Divino, admirado por sua capacidade de improvisar, começou:


Quem morreu , morreu.
Antes ele do que eu.Quem morreu, morreu,
Antes ele do que eu.
Aristeu, Aristeu.
Você se fodeu. . .

Romeu Bahia dos Santos, o mais culto do grupo, e que se saiba, nunca riu, foi escolhido pelo estranho grupo para dizer algumas palavras de despedida.
- Estamos aqui reunidos, com os olhos rasos d´água para despedirmos-nos de nosso amigo Aristeu, o popular “Copo Furado”... 
A prostituta Maria Tanajura fez rima com voz de “frete”:
- Romeu, seu cacete é meu!
Fazendo de conta que não tinha ouvido, continuou Romeu.- Neste momento solene, pranteamos nosso amigo, que faleceu”... 
E como cachaça e velório não combinam, exclamaram: 
- Quem faleceu se fodeu, antes ele do que eu! 
O companheiro do lado de Aristeu, muito contrito, chapéu na mão, intercede:
- Até você Chico Navalhada...
O Sr. Francisco das Virgens, que ostentava enorme cicatriz de antiga navalha no rosto, e que detestava o apelido, sentindo-se ofendido, retrucou:
- Navalhada é a puta que te pariu!
Era o que faltava para a pancadaria “comer solta”...Parecia a letra de certa canção que diz: “’A orquestra tocando alto pra Polícia não ouvir, quem estava fora não entrava e quem estava dentro não saía”...
Mas apesar do barulho do conjunto, ouviram e chamaram a Polícia.
O soldado Jamanta, legítimo representante das terras baianas, crioulo de dois metros de altura, juntamente com seus “meganhas”, acabou com a briga, batendo em “todo mundo”, e a todos levou para a delegacia, inclusive o defunto com o caixão, já meio escangalhado, pois no tumulto caíram sobre ele.
O delegado fez o B.O. e manteve todos na delegacia, até que os ”vapores do álcool” desaparecessem.No outro dia soltou os brigões e o defunto.
Como castigo tiveram que carregar o caixão de volta até o Pelô.
Quando já estavam às portas do Anjo Azul, alguém tropeçou nas centenárias pedras “cabeça de negro”, e foi ao chão juntamente com o caixão que se espatifou definitivamente.
Será que o Copo Furado se incomoda se for enterrado em uma rede?
- É melhor em uma rede do que sem nada. Além do quê, defunto não tem vontade. Não há mais dinheiro, nem tempo, pois o finado já “ta” cheirando mal.
E assim, finalmente, Aristeu foi enterrado, sob belos “pontos” de Candomblé, entoados por Mães de Santo e Ialorixás.

Em sua lápide, apareceu misteriosamente (terá sido o Romeu?) escrito:

Finalmente aqui descansa Aristeu.
Cachaceiro, mulherengo e putanheiro.
Deixou saudades o amigo meu, 
E as prostitutas choram o companheiro.



Salvador, 08 de Abril de2012





Sávio Drummond.


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