quarta-feira, 18 de julho de 2012

REVISÃO

Devia ter sentido mais a chuva em meu rosto. Tê-la buscado e não ter sido surpreendido por ela. Mas tinha medo de pegar um resfriado. 
Devia ter visto mais o Sol nascer na boemia. Mas ele sempre me encontrou estudando ou trabalhando.
Devia ter sentido mais o cheiro das coisas. O mundo é cheiroso. A vida é cheirosa, mas só percebi isso quando pouco olfato me restava. 
Devia ter beijado mais. A meus pais, a minha esposa, meu irmão, minha filha, meus amigos. Mas estava sempre ocupado. Agora sinto falta dos beijos que não dei.
Devia ter ouvido mais. O mundo vibra em uma frequência harmoniosa como em uma sinfonia Divina. Mas o barulho do trabalho me roubou parte da audição. Hoje até o silêncio parece-me cobrar as notas roubadas.
Devia ter sido mais ocioso. Na ociosidade produz-se mais do que pensamos. Mas estava sempre atarefado para perceber isso. Devia ter visto mais. As coisas mais lindas são invisíveis para nós, que nos acostumamos a olhar, não a ver.
Devia ter tido mais Domingos.  Minha semana sempre teve mais dias que a normal, e nenhum deles era feriado.
Devia ter viajado mais, conhecido mais pessoas e lugares. Há sempre gente e locais para conhecer. Mas estava sempre preocupado em chegar.
Devia ter sido menos ansioso. Pois a vida está sempre “vindo”, e saber esperar é uma arte.
Devia ter esperado menos dos outros. Cada um dá daquilo que tem. E muitos têm muito pouco pra dar.
Devia ter perdoado mais. Hoje tenho tanto perdão a pedir.
Devia ter me arriscado mais. Viver é coisa arriscada, e sempre tive medo de arriscar, com medo de perder.
Devia ter sido menos ambicioso. As coisas realmente importantes, como a amizade, os afetos, e o bem, nos são dadas de graça, mas estive sempre preocupado com o preço das coisas.
Devia ter sido mais verdadeiro. As grandes verdades são ditas de formas simples. Olhe as crianças. Elas falam o que lhes vem ao coração.
Devia ter comido menos sal e açúcar. Sempre adocei ou salguei muito as coisas, em busca de um sabor que acabei escondendo pelo excesso.Devia ter encarado a vida de frente. De nada adiantou “dopar-me”, com falsos calmantes, que apenas “me esconderam” a verdade.
Devia ter me preocupado menos. A cada dia “basta o seu mal”.
Devia ter sido mais curioso. Tudo no mundo” tem um por quê”. Deixei de aprender muita coisa.
Devia ter sido menos orgulhoso. A vaidade nada me acrescentou.
Devia ter feito mais serenatas. As janelas das moças ficaram fechadas para meu canto. 
Devia ter aprendido a tocar um instrumento. A música nos aproxima dos anjos.
Devia ter apreciado mais o luar e o por do Sol. São lindos e Deus não cobra nada por eles.
Devia ter aprendido inglês. Os livros seriam menos misteriosos.
Devia ter aprendido a orar. Através da oração falamos com Deus.
Devia ter mais “cicatrizes”.  A pele imaculada mostra apenas uma vida enfadonha.
Devia ter sido uma pessoa melhor. A sensação de “dever não cumprido”, me esmaga.
Devia ter aprendido mais. Vou ter que repetir de ano.


Salvador, 26 de Junho de 2012.
Sávio Drummond.

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