No Século XIX (1800-1899), o Corredor da Vitória, era cheio
de casarões. Abastados
comerciantes e fazendeiros lá construíram suas mansões.
Por lá a elite baiana residia, e verdadeiras obras primas de uma época, aonde
o material de construção vinha da Europa, geralmente de Paris, então chamada de
Cidade Luz, pois iluminava o mundo, com seus poetas, pintores, literatos,
cientistas e artistas em geral.Hoje ainda restam alguns dos
antigos casarões, testemunha de uma época onde se dizia que “qualquer resfriado
se cura em Paris”.
A decadência das famílias abastadas, fez com que os herdeiros os vendessem,
e a “especulação imobiliária”, substituíssem-os por espigões, onde um bando de
“noveaux riches” empilha-se em apartamentos.
Restou
a “importância” de morar-se no Corredor da Vitória!
Alguns foram “tombados” pelo Patrimônio Histórico, preservando para os
admiradores dessa arquitetura, verdadeiras “pérolas” de um tempo de carruagens,
saraus, luvas e cartolas.
Um, em
especial, chamava-me a atenção. Imponente, com linhas
clássicas, rodeado de belo gramado com estátuas de mármore, repuxos d’água, e
um jardim, cuidadosamente tratado.
Parecia que era habitado, embora suas
portas e janelas permanecessem fechadas, tal era o excelente estado de
conservação. No andar superior 14 janelas que também eram portas, com balaustradas de
ferro.
No inferior
12 janelas menores e uma imponente porta de madeira de lei no meio.
Sob o beiral
sete candeeiros de bronze resistiam ao tempo, e davam nome ao casarão.
Era
o Casarão dos Sete Candeeiros.Sempre que
por lá passava, parava diante do portão para admirá-lo.
Certa tarde, notei que todas suas
janelas estavam abertas, grande número de charretes e coches, parados no
terreiro gramado, mostravam um movimento incomum no casarão.
Música vinha do seu interior, e
um homem alto, magro, com um nariz aquilino, trajando estranha roupa com um
casaco de veludo vermelho, enorme calção verde, meiões brancos, de malha,
colado nas pernas,
sapatos de verniz com fivela, chamou-me do outro lado do
portão. Usava indumentária renascentista (Renascença
Italiana de 1300-1499).
Disse ser o caseiro, e que tinha observado meu interesse pelo prédio, parando
em frente ao portão toda vez que por lá passava. Convidou-me para entrar e conhecê-lo.
À medida que aproximávamos
da entrada, vi grande numero de pessoas que conversavam no jardim. Homens
de luxuosas roupas, algumas bordadas com fios de ouro, barbas e grandes
bigodes, com camisas de Colarinho Vitoriano. Mulheres com penteados cuidadosos,
maquiagem discreta, muitas jóias, luvas e longos vestidos, alguns com
anquinhas. Não havia mais dúvida. Tratava-se de um Sarau.
Um Sarau de
oitocentos anos, em pleno século XXI!
Cercando o casarão havia um pequeno rio chamado Aqueronte, e assim que o
atravessamos, um servo que atendeu pelo nome de Caronte, mandou que enorme cão,
que protegia o casarão ficasse quieto:
- Quieto Cérbero,
amigo!
Ao entrarmos,
fomos recebidos por linda jovem, chamada Beatriz, sua noiva
Não
pude evitar o pensamento; “Como uma mulher tão bonita foi se apaixonar por um
indivíduo tão feio?” Um
salão, ricamente decorado, com enorme lustre de cristal, onde ardiam 12 velas,
em “braços” de bronze, iluminava o ambiente, que servia de palco para um sarau
do Século XIV!
Um jovem de no máximo 18 anos, que assim como muitos homens presentes,
usava peruca de cabelos prateados encaracolados, pó de arroz e batom, tocava um
cravo.
Nele executou uma música, arrancando aplausos e pedidos de “Bis”, dos
convidados.
Informaram-me
tratar- se do talentoso jovem austríaco Mozart (Amadeus Volfgang Mozart, 1756-1791)
e interpretara uma ária da Ópera A Flauta Mágica, de sua autoria.
Grande
mesa de madeira de lei exibia carnes de natureza diversas, e rubro e encorpado
vinho, era vertido de grandes recipientes de vidro trabalhado, em
taças de legítimo cristal da Bohêmia. A gordura escorria dos
lábios de inúmeros comensais, que a limpava nas mangas das camisas, e que com
as mãos serviam-se de coxas de frangos, carnes de peru e cordeiro.
As facas eram usadas apenas para cortar as carnes. Não havia
talheres.
De vez em quando, um dos comensais se levantava e ia a um compartimento
vizinho, voltando, com o rosto avermelhado, “afogueado”, pelo espírito de Baco, para comer mais e mais.
Acompanhei um dos glutões em sua ida ao cômodo vizinho.Tratava-se de um Vomitório, local onde grandes pias de louça, recolhiam
a regurgitação, que era feita com a provocação do vômito, ao enfiar-se o dedo
na garganta.
Assim procediam para ao esvaziarem o estômago, poderem continuar
comendo.
Praticavam a GULA em seu mais
“alto grau.”
De
repente, dois participantes desse banquete, desentenderam-se, e de posses das
facas usadas para destrinchar as carnes, atiraram-se um contra o outro, cheios de IRA,
tentando matar-se. Feridos foram retirados do ambiente.
Nesse banquete infernal, mais dois participantes, passaram a lutar pela
posse de um pedaço de carne.
Com
tanta comida, resolveram disputar o mesmo alimento, achando que cada um tinha
mais direito do que o outro sobre ele. A AVAREZA,
“falava mais alto”.
No andar superior, o homem bateu em uma porta. Não vieram nos atender e
ele a abriu. Várias pessoas deitadas dormiam ou conversavam languidamente.
Uma delas se desculpou, dizendo que ouviu baterem à porta, mas a PREGUIÇA não a deixava levantar-se.
Em
outro quarto encontramos um homem chorando. Informou-nos que se sentia muito
infeliz, por não ter tudo que seu vizinho tinha.
Ele
que tinha trabalhado tanto, nunca conseguira ter o que seu vizinho recebera
gratuitamente por herança. Parecia
que a INVEJA o consumia...
Pessoas corriam para outro quarto vizinho.Lá,
um homem estava morto e sua acompanhante chorando nos contou que, após comer
muito, começou a sentir-se mal.
Ela
quis pedir ajuda, mas ele muito orgulhoso não permitiu, preferindo pedir que o
ajudasse a chegar até a charrete, para então procurar socorro médico.Não queria que os outros soubessem que não se sentia bem.
Como era gordo
e muito pesado, ela não teve força para ampará-lo e ajudá-lo a chegar até a
carruagem.
Na
tentativa, caíram e ele morreu antes que pudesse pedir socorro:O
ORGULHO o matou.
A
última porta ele abriu sem bater.Inúmeros casais faziam
sexo sem se importarem com a presença de estranhos. Estavam embriagados de
desejo.
Uma das mulheres nos
chamou para participar.A LUXÚRIA a impelia a fazer
coisas que normalmente não faria.Simplesmente,
não conseguia viver sua sexualidade de forma equilibrada.
Ao se despedir o homem disse que de 1304 a 1321 escreveu em versos, uma
fantástica viagem pelo Céu,
Inferno e Purgatório, que fez ciceroneado pelo
poeta grego Virgílio. Experiência que relatou em um
poema chamado A Divina Comédia.
Hoje
ele me levou a uma viagem pelo casarão, através dos Sete Pecados Capitais.
Era
o poeta italiano Dante Alighieri!
Salvador, 02 de Julho de 2012.
Sávio Drummond.
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