quarta-feira, 12 de junho de 2013

CAPOEIRA

Os antigos coronéis gostavam de reunir seus escravos, no terreiro da casa grande, após o jantar, e sob a luz de archotes, “vê-los” cantar e dançar os ritmos e músicas africanas.
O Samba Duro, a Umbigada, o Maculelê, jogado apenas com as madeiras chamadas “grimas”, a Puxada de Rede e principalmente a Capoeira.
Toda a família assistia, sob luz de archotes, os negros dançarem essa mistura de dança e arte marcial.
 Criada no Recôncavo segundo alguns pesquisadores, recebeu o nome de Capoeira, que era como chamavam a vegetação que cercava as áreas de Caatinga, e aonde os negros fugidos se escondiam dos perseguidores.
A Capoeira de Angola  por ter sido criada pelos escravos vindos de Angola, recebeu esse nome. Os seus praticantes eram chamados de Angolanos. Tocada pelo Berimbau, feito com uma dura madeira da árvore Biriba (que deu o nome ao instrumento) recurvado como um arco. Para tal, a madeira era presa no solo por fortes grampos e molhada todo dia e deixada secar ao sol, até adquirir a forma desejada. Um fio de metal, percutido com uma vareta de madeira, tendo uma cabaça como caixa de ressonância, que modulava o som ao ser apertado contra a barriga do tocador,  pequenos tambores e um chocalho de palha trançada, com pequenas sementes no seu interior, como um guizo, chamado de Caxixi, passou a ser o principal instrumento musical da luta-dança. Este instrumento, contrário ao que normalmente se acredita, só foi introduzido ao jogo da Capoeira, no final da década de 30 do século passado.
Todavia, o Bedel da Faculdade de Medicina, Manuel Quirino, contemporâneo de Nina Rodrigues registra o uso do Berimbau no jogo da Capoeira em seu livro A Bahia de Outrora de 1916.
Como mostram os desenhos de Rugendas e Debret (Viagem Pitoresca através do Brasil de 1763), o Berimbau era usado inicialmente pelos vendedores ambulantes e cegos, que chamavam a atenção ao tocá-lo, para assim vender seus produtos ou pedir esmolas. A tensão do fio metálico variava, ao se comprimir a corda com um dobrão de cobre, moeda da época.
Os negros, com acompanhamento de voz dos que assistiam, palmas, pequenos tambores que ficavam seguros em um “sovaco” e percutido com a outra mão, abano de palha que era batido contra um porrão de barro, dando um som grave que lembra o surdo, reco-reco, instrumento feito com um gomo de cana com cortes, friccionados com uma vareta de metal e pandeiros, na verdade estavam se exercitando e ensinando aos outros uma eficiente luta que, disfarçada de dança, era aceita e incentivada por seus senhores. 
Na primeira oportunidade, fugiam para os núcleos de resistência, chamados de Quilombos.(Emília Biancardi Ferreira, Folclorista, Professora de música em Raízes Musicais da Bahia, 2006). 
Seus habitantes eram conhecidos como Quilombolas. Ficaram famosos os Quilombos de Maracangalha, no atual município de S. Sebastião do Passé, Arco Zêlo no Rio, onde 300 escravos fugidos e liderados por Manuel Congo que o fundou em 1838, e o mais famoso de todos, o de Palmares, chefiado pelo alagoano Zumbi, filho de reis africanos feitos escravos, e trazidos para o Brasil.
Os Quilombos não eram apenas núcleos de resistência formados por negros fugidos. Neles muitos brancos abolicionistas, criminosos comuns ou políticos perseguidos, procuraram refúgio.

A Puxada de Rede, com seus cantos dolentes, deixou muitas saudades. “O Mestre” solava, e os puxadores repetiam o refrão, ao mesmo tempo em que puxavam a rede, sob a marcação de pequeno tambor, enquanto cantavam:
No mar, no mar, no mar.
No mar eu vi cantar,
No mar, no mar, no mar, minha sereia,
Ela é sereiááá...

Menina do peito duro,
É duro de natureza,
Queria ser criança,
Prá mamá nessa beleza.

No mar, no mar, no mar,
No mar eu vi cantá.
No mar, no mar, no mar minha sereia,
Ela é sereiááá...
  
Quem tivé sua fia moça,
Não deixe apanhá café,
Quando sai ela é moça,
Quando vorta é muié.

No mar, no mar, no mar,
No mar, eu vi cantar,
No mar, no mar, no mar, minha sereia,
Ela é sereiááá... 

Menina por Deus eu juro,
Eu juro e torno a jurar,
No colo que eu dormir,
não deixa outro se deitá.


Ficou famoso o capoeirista de Santo Amaro chamado Besouro.Contam que Besouro, fugindo da polícia, viu-se encurralado. Então, como Jesus, colocou-se de braços abertos em um cruzeiro. O regimento detonou os fuzis, como em um fuzilamento. Nenhuma bala o atingiu, que escapuliu para o mato enquanto os soldados recarregavam as armas.
Os “angolanos” alforriados costumavam jogar a capoeira em praça pública em troca de dinheiro recolhidos em um chapéu.
Os capoeiristas de Angola tinham um “uniforme”. Terno de linho branco, lenço de seda enrolados no pescoço e descalços. Com isso queriam mostrar que ao fim da luta estavam cobertos de suor, com as palmas dos pés e mãos encardidas, mostrando, que elas foram as únicas partes do corpo que entraram em contato com o chão. Se qualquer outra parte tocasse o solo, sujaria o terno. O lenço de seda no pescoço era para proteger este ponto vital, pois a navalha, arma usada pelos capoeiristas, de um só golpe não corta a seda. As academias de capoeira usavam lenços de cores variadas, conforme a graduação do aluno.
Os angolanos costumavam pular os muros dos cemitérios para roubar ossos humanos, e com eles esculpir punhais. Diziam que se o “cabra” não morresse do ferimento, pegaria uma gangrena...Explica-se: os ossos humanos, por terem material orgânico em decomposição, e por estarem enterrados, são ricos em esporos do tétano. Este ferimento geralmente originava a doença fatal.
Dom Pedro II, o amante das artes, poesia e botânica,  acabou proibindo a acapoeira e mandando prender os capoeiristas.
As cadeias da Bahia estavam cheias de capoeiristas, quando estourou a guerra do Paraguai (1864 a 1870). 
A imperatriz Isabel, que herdara a Coroa de seu pai, mandou todos para frente de batalha em troca da alforria, se retornassem.
A liberdade oficial só aconteceria em 1888.
O Brasil foi o último país do mundo a acabar com a escravidão.
A Capoeira Regional foi criada na década de 30 do século passado por Mestre Pastinha, crioulo alto, magro, casado com uma baiana de acarajé. Policial e amante da capoeira de Angola “pegou” seus golpes e a eles acrescentou golpes de luta livre, tornando-a mais agressiva e eficiente.
Nascia a Capoeira Regional.

                                                                                                                 Salvador, 04 de Março de 2013.

Sávio Drummond.

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