quarta-feira, 25 de setembro de 2013

TRISTE VELHO CHICO

O 1º livro que li, aos 10 anos, chamava-se Cazuza e falava sobre os Gaiolas, embarcações que trafegavam no Rio São Francisco, fazendo a ligação entre Pirapora (MG) a Penedo (AL). 
Essas embarcações traziam na proa (frente) carrancas de seres diabólicos, superstição da população ribeirinha, usada para afastar os maus espíritos.Os viajantes armavam redes no convés para dormirem, pois a viagem durava vários dias.
Às margens do Rio São Francisco, em alto sertão baiano, fica uma das maiores grutas do Brasil, a gruta de Bom Jesus da Lapa, onde em seu interior foi construída uma Catedral. Nela, romeiros realizam a 2ª maior romaria do país (1 a 6 de Agosto), só perdendo para a de Aparecida do Norte (13 a 15 de Agosto), padroeira do país. 
O Rio São Francisco foi descoberto pelo navegador florentino , Américo Vespúcio, em 4 de Outubro de 1501, e batizado com este nome pois era dia da celebração de São Francisco.O rio era chamado de Opará pelos índios da região, que quer dizer Rio Mar. Sua nascente encontra-se a 1.200 metros de altitude na Serra da Canastra, no sul de Minas Gerais e percorre 2.863 Km antes de desaguar no Oceano Atlântico. Possui dois trechos navegáveis. O médio de 1.371 Km, entre Pirapora (MG) a Juazeiro (BA)- Petrolina (PE), e o baixo com208 Km, entre Piranhas (AL)e o Oceano Atlântico. O último município  que atravessa é  Piraçabuçu (AL), onde fica em sua foz, depois de atravessar cinco estados. 
Em 1552, o 1º Donatário da Capitania de Pernambuco Duarte Coelho Pereira, fundou a cidade de Penedo, no atual estado de Alagoas e lá, em 1637, foi construído um Forte devido aos interesses dos franceses, que por lá andavam  desde 1526, dando origem a uma pequena baía em sua foz, chamada de Porto dos Franceses.
Nas proximidades dessa baía  que se deu o naufrágio da nau que levava o 1º Bispo do Brasil, Dom Pero Fernandes Sardinha, de volta a Portugal.  Ao chegar em terra, o Bispo foi morto e devorado pelos índios Caetés.
Havia nas costas brasileiras duas grandes nações indígenas, os Tupís e Gês que chamavam a qualquer grupo que não falava sua língua, de Tapuias.
O nome de Rio da Integração Nacional se deve as Entradas e Bandeiras, que durante os Séculos XVII e XVIII usaram-no como via navegável para expedições.
Por mais de 200 anos, os Bandeirantes causaram grande genocídio das populações indígenas do interior do estado. Muitos marginais  e negros fugidos escondiam-se nas aldeias indígenas de suas margens.
Em 20 de Dezembro de 1695, uma tropa de mercenários, contratada pela Coroa Portuguesa e usineiros da Capitania de Pernambuco, destruiu o último foco de resistência negra, e matou os quilombolas, ligados ao Quilombo de Palmares, que tinha sido destruído pelo bandeirante Domingos Jorge Velho em 6 de Fevereiro de 1649, e ferido seu líder Zumbí, que, então conseguira escapar.
O “velho Chico”, antigo rio da Integração Nacional, não é navegável inteiramente há muitos anos, pois vem sofrendo um processo de assoreamento que acabará por “matá-lo”, principalmente se for “levado a cabo” a transposição do velho Chico, que vem sendo defendida por políticos nordestinos, como solução para acabar com a seca do nordeste. Até D. Pedro II prometeu vender as jóias da coroa e solucionar esse problema.Não vendeu, e o nordeste continua tão seco quanto antes.
Da promessa, sobrou a Ponte D. Pedro II, sobre o Rio Paraguaçu, que liga Cachoeira a São Felix, e que está para desabar, por falta de manutenção.
O que se deve fazer é drenar a “calha” do rio nos pontos necessários, tornando-o novamente navegável, sendo uma importante via de locomoção para a população ribeirinha, trazendo de volta os gaiolas, as carrancas e o turismo da região.
Quanto à seca do Nordeste, a solução é furar poços artesianos, pois, se não me engano, o maior lençol de água potável do Brasil, chama-se Aquífero Guarani, que se encontra a 600 metros de profundidade, abrangendo o norte da Bahia, sul do Ceará e 1/3 oeste de todos os estados nordestinos.

Salvador, 28 de Novembro de 2012
Sávio Drummond.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

PROMESSA É DÍVIDA

Tive um conhecido, belga de nascimento, baiano de coração, que não sei por que cargas d’água, deu com os costados em Salvador, e apaixonou-se por uma autêntica crioula baiana e, com ela se casou.
Conheceu-a quando certo dia pediu um acarajé. Mãe Conceição perguntou se queria com ou sem pimenta. Querendo ser engraçadinho, respondeu:
- Bote como se fosse no seu acarajé...
Se “lenhou”, mãe Conceição adorava pimenta, e o Gringo comeu o acarajé mais ardido de sua vida.
Mãe Conceição, sua esposa, tinha seu tabuleiro no largo do Rio Vermelho, e seu Terreiro no Curuzú.
O Gringo era seu ajudante na vendagem, mas no terreiro só foi uma vez.
Mãe Conceição o pegou transando com uma Filha de Santo. 
Expulsou a danada debaixo de “porrada”, e ameaçou cortar “os documentos” do gringo, enquanto dormisse se ele voltasse a “por os pés” no Terreiro.
Certa feita o Gringo chegou a um bar acompanhado de duas garotas de programa:
- Uma Coca-Cola!
O “barman” ao ver três adultos, perguntou:
- Família?
O gringo, que ainda se enrolava com a língua:
- Non, tudo puta! Tudo puta!

Um vizinho do Gringo instalou um ar condicionado, e o gringo não conseguia dormir, devido ao barulho que fazia. Na 1º reunião de condomínio, expôs suas queixas, e descobriu que muitos outros também estavam sendo incomodados.
O ar condicionado foi tirado, ou trocado, e o barulho acabou. Logo, queixa-se o Gringo a um dos incomodados:
-Agora não consigo dormir, pois já tinha me acostumado com o barulho. Estou sentindo falta do barulho!

O Gringo estava perfeitamente integrado ao modo de ser, crenças e culinária baianas. No largo da Mariquita, no Rio Vermelho onde morava, rara era a noite que não parava no restaurante e padaria do Pepe para comer caruru, sarapatel, moqueca de peixe, sempre acompanhadas por várias garrafas de cerveja. O gringo bebia pra caramba!
Certa feita o Gringo estava sem dinheiro e prometeu ao Senhor do Bonfim, Santo de maior devoção de Salvador, que daria cinco voltas de joelhos em torno da colina sagrada se ganhasse algum. Inspirado nas cunhadas, segundo ele, jogou na cobra, e ganhou pequena fortuna.
Ao chegar ao sopé da colina viu que a tarefa não era fácil. O que fazer? Agora estava em débito com o Santo. Dever ao Santo é pior que dever ao mais miserável dos agiotas.Da mesma forma que ele deu, ele tira.
Resolveu o problema: Chamou um Táxi, ajoelhou-se no banco de trás e mandou o motorista dar as cinco voltas prometidas, enquanto rezava contritamente, agradecendo.  Enganou o Santo e cumpriu a promessa.
Promessa é dívida!                     



                                                                                                                    Salvador, 26 de Dezembro de 2011.
Sávio Drummond.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O SUICIDA


Conheci o João no tempo do Colégio Secundário. Após o vestibular perdemos contato e tornou-se um daqueles personagens que por encontrarmos ocasionalmente, passam a ser testemunha viva da inexorabilidade do tempo.

Encontrá-lo era como olhar-me num espelho fantástico, dos que não distorcem a imagem segundo nossas vaidades ou desejos. João simplesmente envelhecia como devem fazer todos os mortais, obrigando-me a olhar para mim mesmo, pois tínhamos a mesma idade.

Certa feita, numa das avenidas centrais da cidade, preso em um engarrafamento, não imaginava que voltaria a encontrá-lo em situação tão inesperada. À minha frente uma multidão que impedia o trânsito normal dos carros fazia gestos para o alto e gritava coisas que inicialmente não entendi.

Viaturas da polícia, policiais que procuravam fazer o escoamento do trânsito, bombeiros, e no alto de um edifício um homem perigosamente equilibrava-se numa saliência externa do prédio, tendo enorme vazio à sua frente. 
As pessoas que passavam juntavam-se à multidão e como um grande coral ensaiado, gritavam:
- Pula, pula, pula!

Alguns estudantes formavam um grupo à parte, desafiando:- Deixa de presepada, você não tem coragem, vai ver que é corno...

Lá em cima o homem, sua solidão e seus motivos que ninguém sabia.

De repente, um jato amarelo e brilhante começou a cair sobre a turba, inicialmente varrendo de uma extremidade a outra o grupo de curiosos que começou a dispersar procurando abrigo. Por vezes acertava este ou aquele espectador, como se um infalível artilheiro o dirigisse. Por outras perseguia uma assustada vítima até a calçada oposta.
O homem urinava. Urinava de uma forma absurda, como se todos os fluídos do seu corpo, naquele momento, se esvaíssem por sua uretra revoltada. E ele gargalhava, divertindo-se com a resposta que dava a multidão que há pouco o incitava à morte.
Quando acabou de urinar, calmamente entrou pela janela mais próxima e rapidamente foi seguro por fortes braços para desaparecer pelo vão adentro.
Alguns minutos e reapareceu carregado pelos quatro membros por policiais do resgate, que utilizando-o como um aríete, abria caminho em meio ao agrupamento que agora em vaias , retornava procurando ver de perto o suicida mijão.
Era o João, e sorria como uma criança traquina pega em flagrante.
Em nada lembrava um homem que queria morrer. Estava decididamente feliz.

Algum tempo depois o encontrei no Bar do Reagge no Pelô, ostentando enorme cabeleira rasta. Parecia mais moço e completamente descontraído dançava o som mágico de Marley com amigos da tribo. Conversamos um pouco e sem saber que estivera presente naquela tarde e a tudo assistira, contou-me que resolvera desligar o “automático de sua vida” e vive-la conforme a visão que certa tarde tivera.
Tornara-se artesão da madeira, cobre e prata e junto com outros semelhantes dividia um casarão no centro histórico da cidade, e acima de tudo que estava em paz.
Saí do bar certo que o João renascera. Como Sidarta Gautama debaixo da arvore Bodhí, renasceu Buda, João no alto do edifício, entre tormentos, vaias e mijo, tivera seu momento de iluminação e renascera rasta leve e livre.
Aquele sorriso que tinha visto em seu rosto e que incorporara no seu semblante, não deixava dúvida.

                                                                         Sávio Drummond.