quarta-feira, 7 de março de 2012

HISTÓRIA DE AMOR

Quando adolescente tive a oportunidade de conhecer um casarão do Século XIX que ficava na Ladeira de São Bento. Sua arquitetura, vitrais coloridos e um tabuado de madeira de lei em duas cores, testemunhavam uma época de opulência e riqueza.
Velhos jornais  amarelados,  noticiavam  a revolta da Armada (1893 - 1894), movimento dos marinheiros contra o governo do Marechal Floriano Peixoto, a revolta da Chibata, liderada pelo marinheiro negro João Candido, em 22 a 27 de Novembro de 1910, que pos fim aos castigos corporais (25 chibatadas) aos marujos infratores, e a Guerra de Canudos (1893 - 1895), em matéria escrita pelo Jornalista Euclides da Cunha.
Antigas revistas como O Careta e O Malho, traziam as caricaturas nas “charges”, que criticavam a campanha da vacina obrigatória de 1904, onde agentes de saúde invadiam as residências para vacinarem as pessoas à contra a varíola, chefiada pelo recém formado no Instituto Pasteur de Paris, Dr.Oswaldo Cruz, a mando do Presidente Rodrigues Alves. 
De todo embolorado material, guardei vários Cartões Postais que registraram a correspondência entre a jovem Marialinda, residente no casarão e um jovem que morava em Paris. A correspondência feita com postais em preto e branco, mostrava a qualidade das fotos da época, pois se fossem coloridas, certamente não teriam resistido ao tempo. Nenhum postal dela pude guardar, pois a correspondência era a que a jovem tinha recebido. 
Um deles dizia: 
-“Senhorita Marialinda.
Ontem me senti envergonhado por  ser brasileiro. 
Um rapaz que conheci em um café,  passou a tratar-me com desdém ao saber que sou brasileiro.
Os franceses são muito arrogantes. Ao perceber meu sotaque passou a falar rápido e cheio de expressões idiomáticas, tudo para dificultar meu entendimento” ... 
-“Senhorita Marialinda.
O inverno daqui está muito rigoroso. Quantas saudades do Sol e praias de Salvador. Alguns franceses, no verão tomam banho no Sena. Eu não me arrisco”...
-“Senhorita Marialinda.
Recentemente comprovei que a história que francês não gosta de banho é verdadeira. Pelo menos durante o inverno. Entrar em elevador no inverno é torturante. A mistura de odores de perfumes caros, com o de casaco de peles e suor, é nauseante”... 
- “Marialinda querida.
Nos Salões Parisienses só se dança o Maxixe. Ritmo brasileiro que a polícia proibiu nos bailes públicos e nos entrudos, aí da terrinha.
Moça de família não pode dançar o Maxixe. Aqui em Paris, um baiano chamado Duque, está ganhando rios de dinheiro ao dançar, a mistura do ritmo sensual africano Landu, com a Polca. Copiei do jornal a descrição do Jornalista João Chagas, feita em 1897 sobre o Maxixe:
-“Os pares enlaçam-se pelas pernas e pelos braços, apóiam-se quanto possível pelas testas num gracioso movimento de marrar, e assim unidos, dão a um tempo três passos para diante e três passos para trás, com lentidão. Súbito circunvoluteiam, e vão avançando e retrocedendo, como a quererem possuir-se”. -“Senhorita  Marialinda.
Na semana passada, em 19 de Outubro de 1901, os jornais noticiaram que um mineirinho baixinho e  bigodudo, chamado Alberto Santos Dumont, voou em um dirigível, deu uma volta na Torre Eiffel  e ganhou  o Prêmio Deutsche e uma aposta que tinha feito”. .. 
-“Senhorita Marialinda.
Senti-me orgulhoso em ser brasileiro.
Ontem, em 23 de Outubro de 1906, o mesmo mineirinho que vem encantando a todos, realizou o sonho de Ícaro, e em uma engenhoca de bambu e seda Chinesa, levantou vôo do campo de Bagatelle.
Conseguimos imitar os pássaros”...
-“Senhorita Marialinda. 
Recebi sua carta dizendo do seu casamento no mês que vem.
A distância e sua família venceram, mas quero que saibas que nenhum homem lhe amará tanto quanto eu te amei.
Por favor seja feliz!”

Algumas letras neste postal, estavam manchadas. Talvez, lágrimas desbotaram a tinta...                 


Salvador, 13 de Fevereiro de 2012.
Sávio Drummond.

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